*Reportagem da Tribuna do Norte
No Rio Grande do Norte, os pedidos de liminares e indenizações por danos morais e materiais começam a aparecer no sistema do Tribunal de Justiça. O de Nelson e seus amigos será mais um a aumentar a lista. A viagem do grupo estava prevista para acontecer no dia 17 de setembro. Além das passagens pela 123milhas, eles compraram passagens de avião e ônibus para fazer um tour passando por cidades como Amsterdã. Bruxelas, Paris, Barcelona e Lisboa. Mas agora tudo é incerto.
“Cada um de nós pagou R$ 1.800 em passagens na 123milhas. A empresa apresentou a alternativa de devolver em voucher o valor corrigido, mas a mesma passagem sem ser promocional custa R$ 9 mil na mesma empresa. Não temos como complementar esse voucher. Por isso, reunimos as provas e estamos ingressando com ação de liminar imediatamente”, explica.
Essa é uma medida acertada para o momento, segundo o advogado tributarista e especialista em recuperação judicial, Igor Medeiros. Ele diz que os consumidores que não aceitarem a proposta do voucher que a empresa oferece para para uso em outra ocasião, devem procurar os órgãos de defesa do consumidor e a justiça. “O caminho é o judiciário e o Procon para que se constitua o direito. A proposta do voucher é uma alternativa interessante, mas se a empresa conseguir cumprir. É uma decisão individual de cada cliente”, diz o advogado.
Ele explica que há espaço para dano moral e material e que o consumidor pode entrar na justiça pedindo o ressarcimento do dinheiro. Contudo, ele pondera que a empresa pode decretar falência em breve. “Já em insolvência, acredito que está precisando de uma recuperação judicial, ou de uma falência propriamente dita. O cliente pode entrar na justiça pedindo o ressarcimento do dinheiro, mas quando vier o cumprimento de sentença se ela já tiver falido, vai ter a sentença, mas não terá de quem receber”, pontua o tributarista.
A insolvência é quando uma empresa não consegue cumprir com as obrigações econômicas que tem perante os seus credores. O caso lembra a história da companhia áerea Varig, que teve sua falência decretada em agosto de 2010. Contudo, nesse caso, a empresa tinha um patrimônio que pôde ser leiloado para quitar os débitos. “No caso da Varig, as pessoas não viajaram, mas puderam receber uma fração do foi vendido da empresa. Se a 123milhas não tiver nada para vender e leiloar, a pessoa pode ficar sem nada para receber. Hoje, quem conseguir liminar mais rápido e a 123milhas cumprir vai estar na vantagem”, alerta Igor Medeiros.
Ele ressalta que essa perspectiva se deve ao modelo de negócios, no qual a empresa comprava milhas aéreas mais baratas e vendia passagens em preços menores que o praticado no mercado. Contudo, precisava comprar mais milhas para poder dar conta da demanda que aumentou, bem como do preço das passagens que subiram. “O que a 123milhas está tentando fazer é um acordo com os credores para honrar os compromissos em outro momento. O mercado vai entender e esperar? ou vai para cima para conseguir sua parte o mais rápido possível levando-a a falência? Eu acredito mais na segunda opção”, analisa.
O juiz Napoleão Rocha Lage, da 6ª Unidade Jurisdicional Cível de Belo Horizonte/MG, determinou que a agência 123milhas forneça passagens aéreas, no prazo de cinco dias, a um cliente que teve passagens aéreas canceladas, no valor de mais de R$ 4 mil, com destino a Roma, na Itália. Caso a agência não disponibilize as passagens no prazo, a multa será de R$ 10 mil, com bloqueio imediato do valor na conta. Essa é uma das primeiras decisões no País.
Passageiros relatam planos frustrados
Desde passagens compradas para acompanhar tratamento de saúde de doentes, até viagens de férias, lua-de-mel ou para estudar fora, são diversos os planos que estão comprometidos com a insolvência da 123 milhas. A diretora Administrativa, Annay Katarinne, de 32 anos, não só estava certa de que iria à Gramados no período do famoso “Natal de Luz”, como estaria em um grupo de 22 pessoas entre familiares e amigos. Todos compraram as passagens pela 123 Milhas.
“Compramos ano passado em uma promoção que só durou um dia. Inclusive, os preços dos trechos eram semelhantes a valores de trechos ofertados pelas companhias aéreas. Fomos pego de surpresa pelo anúncio da decisão unilateral. Ingressamos no sábado mesmo com uma ação judicial requerendo o cumprimento forçado da obrigação, ou seja, a emissão dos bilhetes”, conta.
No caso dela, o juizado especial já citou a empresa e segue o prazo para que se manifeste. Annay diz que os valores das mesmas passagens hoje custam em média cinco vezes mais, por isso, o grupo não sabe mais se a viagem vai acontecer, já que isso inviabiliza até o uso do voucher oferecido pela empresa. “Precisamos avaliar se ainda é possível fazer a viagem. Por ora, a gente segue acreditando que haverá o cumprimento forçado”.
Enquanto isso, o jornalista Rodrigo Maker está apreensivo porque passou para um mestrado numa instituição de Lisboa, em Portugal e também não sabe se vai conseguir viajar com a esposa e os dois filhos para estudar lá. “Fiz a aquisição das passagens. Vendi os móveis de casa, coloquei meu carro à venda e dei entrada no pedido de vistas, tudo baseado na data da passagem. É algo programado para a vida, mas em contato com a empresa, houve a proposta da devolução em voucher, só que mesmo com a atualização dos valores, não seria suficiente para adquirir outras passagens na mesma data”, explicou o jornalista.
Rodrigo já acionou sua advogada e também ingressou com ação por danos morais, com audiência marcada para dezembro. “Também estamos entrando com pedido de ação liminar para que a passagem da minha família esteja garantida pela empresa. Não podemos ser prejudicados por uma decisão unilateral”, comenta.
O servidor público, Nelson Pereira, diz que ainda tem esperanças de fazer a viagem para a Europa, através do recurso liminar que está ingressando na justiça. “Temos a esperança de viajar através da liminar e garantir a emissão das passagens. Do contrário, não será possível agora porque não temos mais o dinheiro para fazer tudo o que a agente previu. A gente está perdido sem saber o que fazer, esperando pela justiça”, relata.
Procon pede esclarecimentos à empresa
O Procon estadual e o Procon Natal estão recebendo reclamações dos consumidores prejudicados pela decisão da 123 milhas e o caminho nesse caso está sendo, de fato, a justiça.
Segundo o coordenador do Procon-RN, Oberdan Medeiros, o órgão já indagou a empresa sobre quais os motivos para a mudança das regras, como a empresa se preparou para esta situação, como está informando seus clientes e quais as medidas de mitigação ou compensação e até de ressarcimento está adotando para não prejudicar os consumidores.
“É uma notificação de oficio, sem abertura de processo, cobrando esclarecimentos acerca do motivo, assistência que está sendo dada ao consumidor. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) também abriu procedimento administrativo pedindo esclarecimentos e possivelmente deve virar sansão. Os Procons de todo o Brasil se manifestaram em nível estadual, regional e nacional”, disse ele.
A presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (ABAV/RN), Michelle Pereira, orienta que as pessoas busquem sempre agências de viagens credenciadas para planejar e adquirir seus pacotes de viagem. “Temos muito cuidado, zelo e entrega do que o cliente comprou. Na pandemia remarcamos o quanto pudemos e o cliente foi orientado sobre cada momento que vivíamos e as opções e consultoria”, declarou.
Ela diz que quando há uma grande oferta de um produto por um preço muito baixo, é preciso ficar atento. “Não existe milagre. muita gente comprou na 123 Milhas passagens para 2025. Não existe no mercado algo com mais de um ano de antecedência. quando se fala em longo prazo já é algo previsto de dar errado. Orientamos a comparar o preço mais baixo com o que está divulgado nos sites oficiais dos hoteis, das companhias, das agências…”, alerta a empresária.