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185 anos de nascimento de Machado de Assis, e…

O maior romancista da língua portuguesa completou 185 anos de nascimento no último 21 de junho, mas como essa data é tratada no Brasil?

*Alexsandro Alves

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Nosso maior escritor foi um homem negro nascido em um morro carioca, filho de proletários. Há alguns dias completaram-se 185 anos de seu nascimento. O autor de obras-primas inigualáveis em nossa língua: Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba, Esaú e Jacó e Memorial de Aires – uma sequencia de obras-primas que até hoje não houve similar no Brasil.

O que poderia ser um excelente motivo de estudos sobre sua técnica, sobre seu domínio infinito da língua portuguesa, sobre sua sutileza em delinear psicologicamente seus personagens e também sobre seus experimentalismos estéticos, superiores às momices oswaldianas de 22, acaba sendo, no Brasil atual, uma tristeza sem fim, para dizer o mínimo.

Sabemos que no Brasil a inteligência está subordina ao imperialismo marxista. E nem Machado escapa da dominação. Claro que não é fácil enquadrá-lo e todas as tentativas têm resultados sofríveis facilmente desmontáveis. Porém, uma mentira dita mil vezes se torna verdade. E por isso devemos combater sempre em qualquer momento onde ela surge. No caso de Machado, é por questão de grandeza, ele não pode ser diminuído a uma importada ideologia estadunidense (não a marxista, mas a negra).

A pergunta é: Machado de Assis foi antirracista?

Dadas às suas origens, é uma tentação responder “sim”. Mas ele não foi. Nosso maior escritor não estava “nem aí” para essa questão. Ora, mas como?

Antes, um lembrete: o imperialismo marxista, que tem no movimento negro no Brasil, uma vertente recheada de teorias estadunidenses, via Ângela Davis, bel hooks e etc., coloca tudo dentro da luta de classes. Tudo deve ser analisado mediante a ferramenta materialista histórica; Jorge Amado sofreu quando se desligou do Partido Comunista e denunciou a URSS, Clarice Lispector foi marcada como “alienada” – nossa mais original romancista, ainda mais única do que Machado!

Hoje, o movimento negro deseja fazer de Machado um baluarte da luta antirracista; dezenas, centenas de simpósios e cursos tentam demonstrar a validade dessa ideia. Porém, na obra machadiana, não há uma única vírgula de denúncia; Brás Cubas nas costas de um negro escravo não é denúncia – os leitores de Machado, a elite da época, se reconheciam felizes nessa brincadeira.

Os personagens centrais de Machado são todos brancos, gente que viaja para a Europa, que tem dinheiro para ir à ópera, que tem piano de cauda em casa. Gente que não está nem aí para uma denúncia política contra o racismo. Lima Barreto, ao contrário, é inequívoco. Se em Machado qualquer assertiva sobre luta antirracista é sempre “meia boca”, quando não, falsa mesmo, em Barreto a denúncia é escancarada. Barreto é antirracista. Seus personagens são pessoas pobres, mulheres negras e pobres; ele coloca não apenas o antirracismo em seus textos, mas a própria luta de classes.

Qual personagem central de Machado de Assis é uma garota negra periférica que é seduzida por um homem branco e rico?; esse homem a leva para um quarto e a estupra; ela engravida, sem coragem de contar para os pais, ela decide abortar, mas é pobre, não tem dinheiro para isso e é humilhada pela família do sedutor, e claro, precisa haver a culpabilidade da vítima! É uma história contemporânea, mas é a vida de Clara dos Anjos, última personagem de Lima Barreto. Há tudo o que é contemporâneo na luta antirracista em Lima Barreto, até a questão do aborto, negado para Clara por ser pobre!

Em comparação, Aires, último personagem machadiano, é um homem branco, conselheiro, que vivia na Europa e só retorna ao Brasil aposentado.

Mas o movimento negro fica perdendo tempo com Machado colocando-o onde ele não cabe. As preocupações machadianas são de outra ordem. O problema, é que se o autor não for político, perde o sentido para nossa inteligência. Tudo precisa ser reduzido à questão política, que é sempre marxista.

Me parece que a inteligência nacional não é mesmo muito refinada. Me parece incapaz de olhar para Machado e estudá-lo dentro de seus termos, puramente estéticos.

Convenhamos também: hoje, se estivesse vivo, ele seria tachado de “capitão do mato” e sua escrita, refinadíssima e inteiramente dentro da norma culta, seria acusada de “preconceito linguístico”, além disso, haveria críticas em relação aos seus personagens: “todos brancos”! Ouvintes de ópera – mas cadê o hip hop da “quebrada”?

Ainda, tornar Machado um homem negro americaniza o sujeito histórico, além de falsear nossa própria história. Porque sua mãe era uma mulher branca portuguesa dos Açores. Aí entramos em mais uma falsificação do movimento negro: o Brasil não é os EUA, aqui, as coisas não são tão brancas e negras; aqui, branco e negro miscigenaram, somos mestiços. O branco e o negro aqui, em sua maioria, são mestiços; pele clara, pele escura, são peles mestiças. Mas o movimento negro brasileiro, ajoelhado diante do ídolo estadunidense, resolveu apagar a mestiçagem brasileira.

Nosso maior escritor foi um homem mestiço…