*Alexsandro Alves
Eu gostava muito de assistir uma série de tv, no início dos anos 80, chamada Fuga do século XXIII, “Logan’s run”, no original estadunidense.
No século XXIII, as sociedades vivem em completa paz e harmonia, é um mundo perfeito, sem doenças, sem maldades, um mundo onde a paz e a felicidade são obrigatoriamente dadas aos indivíduos como seu único destino possível. Nesse século, o homem finalmente subjugou a natureza! Embora que, para isso, precisou praticamente destruí-la. Mas as cidades são perfeitas e fervilham em compras, sorrisos, passeios, aprendizados, em uma socialização de altíssimo nível.
Porém, há um detalhe. Ao completar 30 anos, os indivíduos precisam morrer, é uma maneira de evitar a superpopulação e garantir as mesmas experiências fascinantes para os que estão nascendo. No auge da juventude, da saúde, da beleza! Está estabelecido que durante 30 anos nada lhes faltou e que provaram de todas os prazeres que o consumismo capitalista lhes pode oferecer – tiveram de tudo ao seu dispor e usufruíram!
A cerimônia de morte coletiva, sim, sempre aos montes, é uma festa!
Se reúnem em um estádio, todos jovens! Sorrindo! E entram em um círculo que gira sem parar e cada vez mais rápido, é o ritual do Carrossel! Os mais jovens, de 29 anos para baixo, assistem emocionados!
No auge do ritual, quando o Carrossel gira loucamente aos risos dos espectadores, os cidadãos que estão nele começam a levitar! Rumo ao céu, se desprendem do círculo giratório e levitam, suas expressões são de felicidade extrema, estão em êxtase! No ápice do êxtase, nas alturas, um raio os fulmina.
Morrem jovens e lindos, em êxtase coletivo, morrem perfeitos!
Todavia, dois cidadãos, Logan 5 e Jéssica 6 (os nomes sempre são acompanhados de números), decidem que não querem morrer aos trinta. Eles querem envelhecer. Resolvem fugir para o Santuário, um lugar mítico, sem provas de sua existência, mas lá, as pessoas envelhecem e mais, elas fazem amor. Amor livre. E mais ainda: fazem amor livre na terra, na relva, nos rios. Elementos naturais que não conhecem muito a respeito, ouviram falar e viram fotos em livros – mas são de um tempo em que a perfeição tecnológica e social não havia sido alcançada – são coisas primitivas. Na sociedade do século XXIII, a devastação ambiental chegou a tal nível, que apenas poucas plantas existem, e são usadas para decoração.
A série durou 14 episódios, sendo antecedida por um longa-metragem de cinema.
Essa fascinação pela juventude, ao ponto de considerá-la perfeita, é o cerne da cultura pop capitalista, da indústria cultural. Há muitos desdobramentos, variantes, disso: desde a valorização excessiva da juventude em mangás e animes, passando pela infantilização de indivíduos quarentões, cinquentões etc., que se fantasiam em festas cosplay, chegando aos softwares que impõem às fotografias uma juventude artificial, chapada, não natural, hiper embranquecida, mas que é amada e desejada acima de qualquer aparência real.
Diferente do que ocorre na série, as pessoas do mundo real não desejam fugir disso – ao contrário, adoecem e morrem por isso! Stress, suicídios, cobranças, humilhações nas redes!
Cada vez mais jovens embarcam nessa variante do Carrossel. Vivem ao máximo e de uma só vez, vivem tudo, e se cobram acima do que a idade cobraria em tempos passados, se elevam e flutuam em seu status e depois se fulminam.
Ouvi uma vez que o ruim da juventude é que ela é gasta com os jovens, hoje, eles nem têm tanto tempo assim de gastá-la.
Essa idade, 30 anos, me lembrou duas coisas.
A Marechala, personagem da ópera O cavaleiro da rosa, de Richard Strauss, se martiriza ante seu amante, o adolescente Otaviano, chamado de Cancan, por ter chegado aos 30, tornou-se balzaquiana!
E quando eu tinha 30, e aí vai o lado cômico para terminar esse artigo.
Em 2005, a Internet havia chegado no Brasil fazia pouco tempo e eu estava experimentando um bate-papo virtual com uma jovem travesti, que era linda, 18 anos, mas aparentava menos, que havia me mandado umas fotos por e-mail, e que me fez ficar impressionado: pequenos seios cuja perfeição parecia caber na palma das mãos, modeladamente; cintura sinuosa como notas que sobem e que descem de uma partitura e, o melhor de tudo, um pênis, ao invés de uma vagina.
Estava tudo indo muito bem, quando ela pergunta minha idade. 30 anos.
Como? Você tem 30 anos? Eu sou jovem, tenho 18! Eu não quero um velho! Um velho de 30 anos!
Bom, se eu dispusesse de onze contos réis, talvez, TALVEZ, ela poderia me ceder quinze meses. Mas como eu não tinha, foram apenas quinze segundos entre os meus 30 anos e os 30 anos dela.
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Abaixo, uma cena do Carrossel, no longa-metragem que deu origem à série de tv. O filme é de 1976, a série é de1977.