*Alexsandro Alves
Em 2024 se completam 60 anos da instauração do regime militar no Brasil (ou, como também é chamado, ditadura militar). Eu me recordo que em Recife, em 1984, no Jefferson Colégio e Curso, tínhamos aula de Organização Social e Política Brasileira e de Educação Moral e Cívica (OSPB e EMC), e nos livros dessas disciplinas constava, quando se referia a esse momento histórico: Revolução de 64.
Se não me engano era Padre Antônio quem lecionava essas disciplinas.
Esse momento é controverso e as opiniões sobre ele, divididas quase sempre entre os que apoiavam e os que não apoiavam, tendem a ser sempre parciais. As torturas se tornaram o tema mais comentado e lamentado em torno desse período, e qualquer avaliação dele sempre tem que passar pelo DOI-CODI.
Isso é um erro. O foco deveria ser outro. Qual? Porque é muito conveniente se falar apenas das torturas, mortes e desaparecimentos, isso ajuda a não colocar as coisas em uma perspectiva mais nítida. As torturas servem, no fim, para embaçar a visão histórica e não levantar questões que ajudariam a sair dessa encruzilhada ideológica que nunca permite uma conclusão, mesmo que dos fatos já tenham decorridos 60 anos!
Eu li o livro de memórias de José Dirceu, o volume I, o segundo, prometido no primeiro, ainda não saiu. No livro, Dirceu retrata a luta contra os militares pós-64. Os atos institucionais, as prisões, os exílios. A partir do capítulo 13, temos a criação do Partido dos Trabalhadores.
Os 12 primeiros capítulos são sobre a luta de Dirceu e outros revolucionários.
Pelo que eles lutavam? Essa deveria ser sempre a pergunta. Mas essa pergunta já foi feita e a resposta foi: pela democracia.
Assim ficou para a história do Brasil. Dirceu e seus companheiros lutavam pela democracia. Mas não era isso. Dirceu deixa claro que a luta era para instaurar o socialismo no Brasil. E socialismo é diferente de democracia.
Certa vez, eu estava conversando com Dário Barbosa, do PSTU, e outro professor, em uma assembleia grevista, e Dário disse: O PT não instaurou e nem instaurará o socialismo. O PT aprofundou a democracia!
Antes de voltarmos a Dirceu e a 64, vamos comentar a fala de Dário Barbosa.
Desprende-se dela que há um abismo entre socialismo e democracia, e os socialistas lamentam o fato de o PT ter traído a causa socialista, aprofundando a democracia.
Porém na época dos revolucionários de 64 o que se queria era o socialismo. Por uma conveniência e negação de uma parte do passado, o PT fala hoje que era pela democracia.
Houve também uma outra negação, que Dirceu esclarece! Sempre ouvimos que a URSS não tinha nada a ver com os revolucionários de 64, como Dirceu. A esquerda novamente nos enganou.
Dirceu fala, em muitas passagens, que no exílio em Cuba aprendera guerrilha e traficava armas para o Brasil. Essas armas que Dirceu trazia para o Brasil, clandestinamente, eram armas que a URSS mandava para Cuba. A URSS estava por trás dos revolucionários de 64.
Um momento de recreação, para respirar. Sim, meus navegantes, Dirceu foi pra Cuba! Vai pra Cuba! Sabe por que eu admiro Dirceu? Porque ele é de fora a fora, isto é, é sincero. Dirceu não é como os socialistas de hoje, como Márcia Tiburi ou Jean Wyllis, que se exilaram em Londres. Imagina, só! Criticam o capitalismo opressor, mas na hora do vamo vê, se bandeiam para a nação pai do capitalismo! Criticam a exploração capitalista, mas passaram anos no exílio, esse triste exílio, gozando as benesses capitalistas da Europa colonizadora. Enquanto Dirceu aprendia guerrilha, Tiburi e Wyllis postavam nas redes sociais suas pinturas e suas visitas a exposições de arte, não é divertida essa nova cepa de socialistas?
Mas voltando para a seriedade.
A URSS financiava os revolucionários de 64, e o que isso significa?
Eis a pergunta que sempre deveria ser feita e pouco é respondida. Por quê? Porque com ela acaba a narrativa da utopia socialista.
Como?
Os revolucionários tinham boas intenções. Se pensava na visão paradisíaca que prevaleceria nas repúblicas soviéticas, ou mesmo em Cuba. A grandeza do novo homem e da nova mulher socialistas de Guevara e Fidel. Se lutava por uma utopia e isso é meritório. Sobretudo porque, sem Internet, não se sabia o que de fato ocorria dentro da Cortina de Ferro.
Mas soubemos hoje.
Quando o comunismo ruiu, juntamente com o Muro de Berlim, os documentos soviéticos foram abertos. E assim já não havia mais dúvidas: o período soviético foi de mortes, perseguições, torturas, suspeitas, vivia-se entre o fio da espada, com medo de o vizinho ou mesmo um parente, dedurar. As mortes, pelas mãos do Estado, eram frequentes.
O teatro da irmandade entre os homens, a igualdade, também fechou suas cortinas: quando as repúblicas soviéticas se viram livres de Moscou, polonês matou ucraniano, seus vizinhos de rua; cazaques mataram letões, seus vizinhos de rua; uzbeques mataram belarussos, seus vizinhos de rua; a união, a irmandade, era uma farsa imposta por Moscou, imposta à bala! E à bala caiu!
E essas repúblicas estavam em frangalhos! Moscou sugava tudo delas! Com o fim da URSS, mostrava-se um cenário de caos. Países inteiros passando fome, em guerras entre si e sem perspectiva! A Polônia chegou a proibir o nome comunismo, assim como proibira o nome nazismo!
O povo dessas repúblicas era explorado, espoliado e assassinado por Moscou, o líder da União!
E?
E alguém poderia dizer que, caso os revolucionários de 64 tivessem vencido, o Brasil estaria diferente? Com a queda da URSS, o Brasil estaria diferente?
Porque é isso o que significa o financiamento da URSS, via Cuba, dos revolucionários de 64. A instauração de mais uma república soviética no mundo, o Brasil.
Ser um revolucionário em 64, dá até para entender como um ato romântico, de luta contra a opressão em que se vê um lado mais atraente, o lado Leste.
Mas hoje? Após todo o apocalipse que foi aqueles anos, e não se sabia, revelado, às claras, em livros, que significa defender ou engrandecer aquele pessoal revolucionário?
Nós, indivíduos mais conscientes e sabedores do que se escondia?
Duas categorias.
A primeira, o velho ou a velha empedernido (a) que nem vê mais sentido em mudar, continua dando murro em ponta de faca mesmo. Fazer o que?
A segunda, pessoas de meia-idade, capazes de por desconfiança nas mais arraigadas crenças, pois leu e é ciente, aí, é psiquiatria. É o manicômio.
Alguém pode me garantir que, com o fim da URSS, caso o Brasil fosse uma das suas repúblicas, o país estaria diferente do Leste?