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Precursor da história potiguar

Doutor em história pela Universidade Federal de Pernambuco reverencia autor do primeiro livro sobre a história do Rio Grande do Norte, publicado em 1877; a obra, pesquisada até os dias atuais, foi posteriormente complementada por Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros, dentre outros

Severino Vicente da Silva

O russo Liev Tolstói aconselhou: “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Foi o que fez Manoel Ferreira Nobre, nosso primeiro historiador. Nascido na cidade de Ceará-Mirim a 21 de março de 1824, era filho do tenente do Exército Manoel Ferreira Nobre, primeiro comandante da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, fundada em 1834, e de Inácia de Almeida Nobre. Foi o primeiro norte-rio-grandense a publicar trabalhos sobre a província do Rio Grande.

Pesquisando sua biografia, encontrei duas datas de seu falecimento: 1896 e 1902. Entretanto, no jornal “A República” está o registro correto num ofício do então governador Joaquim Ferreira Chaves para o inspetor do Tesouro: “para os devidos fins, comunico-vos que em data de 15 de agosto de 1897 faleceu na Vila de Papari [hoje Nísia Floresta] Manoel Ferreira Nobre”. Viveu o 1º e 2º Impérios, quando nada – ou quase nada – acontecia na província, daí sua preocupação com a limitada vida provincial de então. Pesquisou os vários direcionamentos da vida local, deixando ricas informações sobre o então desconhecido Estado.

O Rio Grande do Norte do século XIX era pobre em tudo. No entanto, a maior pobreza era a intelectual, que ainda hoje nos persegue. Daí, Ferreira Nobre haver feito a diferença com sua Inteligência, autodidatismo e boa instrução intelectual numa época com elevado nível de analfabetismo. O poeta e pesquisador Manoel Rodrigues de Melo presta este enfático depoimento: “Manoel Ferreira Nobre foi, sobretudo, um infatigável burocrata; mas no curso de sua vida foi também político, militar, homeopata, enfermeiro, literato, tabelião, advogado provisionado e, ainda, tendo tempo para apresentar-se como voluntário para a Guerra do Paraguai, tendo sido excluído por falta de condições físicas”.

Para se ter ideia da importância de Ferreira Nobre, basta citar sua nomeação para o cargo de oficial maior da Secretaria da Assembleia Provincial, apenas para orientar os legisladores com conhecimento de causa. Numa província sem estradas, enfrentado as mais diversas dificuldades, coletou informações que, reunidas, serviram para constituir o livro “Breve Notícias sobre a Província do Rio Grande do Norte”, cuja primeira edição aconteceu em 1877 pelo Estado do Espírito Santo; a segunda, quase cem anos depois, 1971, graças à sensibilidade e entusiasmo do saudoso amigo e confrade Enélio Lima Petrovich, que foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN).

O livro é a primeira tentativa que se consolidou de uma história do Estado, o qual antecedeu os trabalhos mais completo de Luís da Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Tarcísio Medeiros e outros mais. Historiadores e pesquisadores, curiosos ao manusear este trabalho, observarão que o autor reuniu considerável volume de informações dispersas na província. Sistematizou-as, mas sem qualquer aprofundamento, daí o modesto título de “Breve Notícias”. Uma obra de interesse histórico que ainda  permanece muito importante para os dias atuais.

Pelo conteúdo, é fácil imaginar que Ferreira Nobre era um intelectual sério, criterioso, de estilo preciso, lúcido, pragmático, preocupado em servir a província. Modesto, sem os lampejos das fogueiras das vaidades, rotulou seu livro de “ligeiro ensaio”, deixando claro que sua meta era fazer qualquer coisa e o fez, numa época em que pouco se sabia da província num raio de 50 quilômetros quadrados.

Guardadas as devidas proporções, este documento informativo compara-se à “Corografia Brazílica”, primeiro livro editado no Brasil, em 1817, do padre Manuel Aires de Casal, ou a sumária “História do Brasil (1500-1627)”, do frei Vicente do Salvador. Precavido, justifica sua iniciativa: “não escrevo a história preciosa e interessante do Rio grande do Norte. Publico apenas tradições e pequenas reminiscências que são sempre agradáveis ao espírito que se alimenta em pesquisar as coisas do meu torrão, por mais estéreis que pareçam”.

Manoel Ferreira Nobre foi, acima de tudo, um homem modesto.

Severino Vicente da Silva, professor associado da UFPE, é presidente da Comissão Nacional de Folclore.

DEFERÊNCIA O historiador ceará-mirinense Manoel Ferreira Nobre (1824-1897), autor do livro “Breve Notícias sobre a Província do Rio Grande do Norte”, publicado em 1877; “baseada nas leis, informações e fatos consignados na história antiga e moderna” (de então), a obra, que traz dados sobre a geografia, educação e economia da província, ganhou outras duas edições: uma pela Editora Ponguetti em parceria com IHGRN, em 1971, e outra pela Sebo Vermelho Edições, em 2011