*Franklin Jorge
Meu encontro com o grande escritor que, em sua pluralidade de talentos e virtudes surpreendentes, representa o próprio Acre, onde vive e cria sua arte sem esperar recompensas.
Artista plástico, músico e ativista cultural, após ganhar a vida extraindo o sêmen das seringueiras, operador de balsas, barbeiro e vigia noturno numa escola de Rio Branco, vive em uma pobreza digna, querido por quem o conhece ou admira seu talento. autor de uma obra literária carismática, forjada pela observação inteligente das coisas e pela experiência profunda das coisas, alfabetizou-se aos trinta anos, após uma vida vivida nos seringais amazônicos.
Vigia noturno, de carteira assinada, foi este o melhor emprego que ocorreu ao presidente da Fundação Cultural dar-lhe como meio de vida. Tornou-se assim a cara da cultura oficial, por puro cálculo dos poderosos, algo humilhante, malfeito e improvisado, apenas para arrecadar aplausos para os senhores da cultura provinciana.
Visito-o, uma tarde, na companhia de Thiago de Mello, que desejava revê-lo e externar sua imorredoura admiração por esse talento amazônico. Recebe-nos com satisfação e alegria na pequena sala onde há um banco de madeira e dois tamboretes. nenhum quadro nas paredes dessa casa de madeira que habita em meio a um labirinto de casebres que abrigam trabalhadores que nunca tiveram uma carteira assinada.
Armando [Nogueira] e o próprio Thiago, há tempo, já o haviam recomendado a mim, como um homem sábio e amamentado de experiências. Se algum dia for a Rio Branco – disseram-me -, não deixe de conhecer Hélio Melo. É um prodígio da natureza. A alma mesma do Acre.
Sempre, ao passar pela praça onde o homenagearam com uma sala que é o lugar onde recebe a todos, via aquele quiosque criado para sufragar uma obra que se expande em todas as direções. A obra refinada de um artista popular que toca a alma do povo acreano com a sua hipnótica sabença.
Ao desfrutar de sua obra em tudo única e personalíssima, e conhecer sua vida, não posso deixar de imaginar quão o Brasil seria rico se em cada estado tivéssemos um artista assim. Teríamos quase 30 gênios a produzir e a engrandecer permanentemente nossa cultura. Ficamos a imaginar, Thiago e eu, ao voltarmos para casa, como tudo seria diferente se fossemos capazes de descobrir e valorizar nossos talentos.