*Licínio Barbosa
Quem acompanha, como eu acompanho, atentamente, a trajetória do notável vate destas plagas, vindo de Hidrolândia, há de constatar que, na sua obra literária, prosa e poesia, se destaca um personagem feito cidade: Goiânia. Com efeito, embora homenageie, com afagos, sua terra natal, a cidade da jabuticaba, a árvore mais singular de nosso País, o fruto negro brotando diretamente do tronco, o melhor de suas energias, de seus pensamentos, de suas emoções se dirige, íntegro, para a cidade que Pedro Ludovico e os goianos construíram, no Planalto Central, na primeira metade do século 20, e, hoje, algumas décadas após sua inauguração, a 5 de julho de 1942, o orgulho maior do Estado de Goiás e motivo de ufania de todos quantos a conhecem.
Desde as primeiras produções, José Mendonça Teles situa esta metrópole de 1 milhão e 200 mil habitantes no centro de suas cogitações como um ente muito querido. Logo no ano de 1970, vem a lume Cidade do -cio, com um trocadilho brejeiro. Viriam, depois, Memórias Goianienses, de 1985, e Em Defesa de Goiânia, 1988. Em 1992, surgiria A Vida de Pedro Ludovico, reeditada em 2004 (e falar de Pedro Ludovico o mesmo que enfocar Goiânia, pois criador e criatura são indissociáveis). Em 1995, JMT publica Atlético, Sentimento & Galeria, o time de Campinas, a cidade-bairro de Goiânia.
Como JMT morou na Rua Benjamin Constant, nada mais natural que o seu amoroso habitante escrevesse Crônicas da Campininha, de 1997, obra que mereceria de Sílvio Elia e Josué Montello palavras carinhosas. Ano seguinte, 1998, viria Crônicas de Goiânia. Só depois que teríamos Itinerário Poético Vila Boa-Pirenópolis, gênese de Goiânia; e, em 2003, Crônicas de Hidrolândia, a querida terra natal.
Como se esse itinerário literário no bastasse para explicar o amor de JMT a Goiânia, essa efuso amorosa se estereotipa em Crônicas de Mim, Edit. Kelps, 2008, que mereceu, no prefácio de Brasigois Felício, os elogios mais candentes. Em verdade, na multiplicidade das crônicas que integram essa obra, há sempre um bom pretexto para falar, carinhosamente, de Goiânia. Tais como: Árvores de minha casa; A Casinha de minha Mãe; A Casa de Benjamin Constant; Minha Chacrinha – I e II; O Meia-Ponte; Fogo de Lenha; A Casa da Rua 89; Portal do Sol, sua morada atual num paradisíaco residencial.
Mas a crônica que mais revela a intensa paixão de JMT por esta cidade acolhedora , sem dúvida, Eu te vejo, Goiânia, poema em prosa em que, numa apóstrofe, dialoga com a cidade do seu, do nosso encantamento:
“Eu te vejo, Goiânia, quando abro a janela de minha sensibilidade e sinto a sensação de que o tempo, preso na tessitura de meus dedos, caminha comigo e me faz também protagonista de tua história; quando percorro os olhos por objetos antigos, álbuns que ficaram na gaveta da saudade, e encontro homens paralisados no instantâneo da foto, vestuário e gestos de outro tempo, olhos perdidos na imensidão abandono.
“Eu te vejo, Goiânia, quando caminho meus pés cansados por tuas ruas em movimento, carros retesados no asfalto da intolerância, e sinto a minha insignificância num espaço que foi meu, numa rua que já foi minha, de tantos tempos e muitos, sentimentos e gestos fraternos.
“Eu te vejo, Goiânia, quando da altura de minha gaiola imaginária, sufocado no abandono de mim mesmo, sinto o quanto o silêncio importante, quando o outono descamba para o inverno indesejado.
“Eu te vejo, Goiânia, quando jogo minha infância pelas ruas do antigamente e encontro a namoradinha carregada de ternura, num tempo em que a vida se media por quilômetros de amizade e o amor se eternizava no descuido das horas descuidadas.
“Eu te vejo, Goiânia, quando olho por esses bangalôs da história do começo, humilde na pequenez de sua estrutura, e sinto que, por mais que os arranha-céus os provoquem, ameaçando decepar-lhes as raízes, há uma residência que vem de longe represada no sentimento forte e determinado do pioneirismo.
“Eu te vejo, Goiânia, quando vejo meus descendentes, sangue do meu sangue, crescerem e correrem por tuas ruas, ontem como hoje, eu, menino, assistindo ao mesmo filme na emoção da janela debruada.
“Eu te vejo, Goiânia, quando os ônibus apinhados descarregam aflições e pesadelos na sequencia da Anhanguera e a multidão impaciente ocupa os espaços das coronárias agitadas. Ponto do Café Central, cafetino insaciável do imponderável, até quando continuarás na tua tarefa de marcar encontros e desencontros?
“Eu te vejo, Goiânia, e te vendo assim como te vejo, tenho os olhos presos na retina da emoção e me perco por entre tais e suspiros, quando sinto que corremos em sentidos opostos e nos distanciamos a cada esquina do adeus” (pgs. 15/16).
E pensar que o ofício de escrever ensaio, história, poesia apenas um dos files dessa pródiga mineração que se chama JMT, tem-se a radiografia da á capacidade de trabalho dessa mente prodigiosa. Pois o seu currículo compreende o docente de há muito, desde o Colégio 5 de Julho, passando pelo CFO da PM, pela Faculdade de Ciências Econômicas de Anápolis, pela Faculdade Cora Coralina (Cidade de Goiás), pelas universidades Federal e Católica e Goiás.
Enquanto isso, o exercício de múltiplos cargos: presidente, durante uma década, do IHGG, do Conselho Estadual de Cultura, secretário de Cultura de Goiânia, da “Alliance Française” de Goiânia, presidente Ad Vitam do IHGG, e da Academia Goiana de Letras, por mais de uma década.
Por toda essa fatigante atividade a serviço da cultura, foi, José Mendonça Teles, condecorado com o Diploma de Honra ao Mérito pela UCG; com as Medalhas João Ribeiro e Assis Chateaubriand, da Academia Brasileira de Letras; com as Medalhas Tiradentes e Anhanguera, no Grau de Comendador, do Governador de Goiás.
JMT , também, autor das letras do Hino Oficial do Cinquentenário de Goiânia, e do Hino de Goiás, musicadas pelo talentoso maestro Joaquim Jayme. Também historiógrafo, mercê de suas pesquisas foram tombados 15 bens históricos de Goiânia.
Essa versatilidade toda fez dele sócio-correspondente de todos ou quase todos os Institutos Históricos e Geográficos das 27 unidades federativas do Pís.
Foi pensando em tudo isso que o inolvidável Abgar Renault proclamou, das alturas de sua autoridade de admirável educador:
“Em defesa de Goiânia, pequeno mas admirável repertório, em que pôs, ora em verso, ora em prosa, a sua alta inteligência e a sua aguda sensibilidade da sua querida cidade.”
Mesmo quando rememora a tragédia de Cecília, a Estrelinha, em Goiânia que o drama pungente, desdobramento daquela tragédia, se desenrola.
Essa tessitura de dor e alegria irresistível convite para ler e reler Crônicas de Mim.