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A arte premonitória

Parece que ao verdadeiro artista foi concedido o dom de antecipar o futuro, afirma no presente artigo o Fundador de Navegos, ao lembrar-nos que muito antigamente o poeta era vate, aquele prevê o futuro.

*Franklin Jorge

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Nos anos de 1970 Maria Clara Machado apresentou em seu teatro O Tablado uma peca que antecipava o uso e a difusão do aparelho celular, ainda não inventado, não da forma como o conhecemos. E por isso que cremos que os grandes artistas têm o dom da profecia e enxergam longe, tal o poder das palavras, que realizam o que ardentemente desejamos.

Tal obra causou estranheza a muitos que não podiam supor nem imaginar o surgimento desse artefato que {as vezes parece-nos coisa do demônio, tal o seu malicioso poder de seduzir e escravizar àqueles que se entregam ao seu usufruto. A um tempo algo premonitório e fantasmagoria sobre um tempo de incomunicabilidade, escrito em uma época em tudo diferente desta em que desvivemos a cada dia em meio a aflições e desesperança.

Realmente não podíamos supor, por ignorância ou adormecimento da percepção, que chegaria um tempo em que, embora sentamos à mesma mesa, conversamos um com outro através dos celulares presentes em todos os momentos de nossa vida, ate na hora de nossa morte, quando alguém liga para um parente e diz, acabou… mesmo aqui em casa esse habito à revelia prevalece e não e raro ligarmos uns para outros de nossos quartos para informar ou dar recados. O telefone tornou-se assim o elemento mais importante nas relações e no lar.

De fato parece espantoso que a filha de Aníbal Machado, grande dramaturga e fundadora de O Tablado – famoso laboratório e escola de teatro sediado em aristocrático bairro no Rio de Janeiro tenha se antecipado no tempo e urdido essa curta peca que ironiza as relações humanas ao mostrar-nos em um mesmo ambiente pessoas se comunicando através de um aparelho que sugere o uso do celular que ainda não existia quando o texto foi dramatizado. Artefato que viria a ser o celular, agora comum e universal que nos fez desaprender a arte da conversação que para muita gente instruída, como a minha avô materna, constituía parte importante na educação de uma pessoa bem-nascida ou intelectualmente distinta e refinada.

Diz-se que o artista autentico antecipa os fatos da história em sua obra, como o fez George Orwell em 1984 e Anthony Burgues em Laranja Mecânica que nos põem em contato com mundos, totalitaristas e distópicos, de uma violência inenarrável, que nos fazem perder a fê no advento de tempos melhores.