*Francisco Alexsandro Soares Alves
O concerto que estreou a Sinfonia n.º 1, em 2 de abril de 1800, foi muito produtivo: o dinheiro veio, os artigos em jornais, embora nem sempre positivos, vieram e o público começou a conhecer Ludwig van Beethoven. Na época, era aluno de Joseph Haydn, compositor respeitadíssimo em Viena, uma autoridade na arte dos sons. Haydn, juntamente com Mozart e Beethoven, formam o Triunvirato Clássico Vienense ou a Primeira Escola Vienense. São, os três juntos, o auge e a consumação do classicismo.
Com a fama, o público começa a procurar por obras de Beethoven. Os editores, afoitos com mais essa brecha no mercado, procuram o compositor para que este escreva mais. As ofertas se multiplicam e Beethoven resolve dobrar o preço de suas composições. Aí, os editores tomam um susto. Eram preços impraticáveis! Nem mesmo as obras de veteranos como Haydn ou Mozart atingiam tais valores de mercado. Foi então que surgiu uma espécie de meio termo: as sinfonias e obras maiores seriam negociadas dentro dos preços de Beethoven – ou quase – mas, em troca, o compositor deveria fazer arranjos de suas peças para outros instrumentos, facilitando a execução por parte do público e tornando as obras mais populares.
Inicialmente, como já previam, o compositor se negou. Mas com o tempo, muitas de suas obras foram publicadas em arranjos. Era a moda na época, sobretudo porque uma nova burguesia nascia e, junto com ela, o amor por um novo instrumento: o piano; os arranjos visavam simplificar obras mais complexas para o piano, para que pudessem serem tocadas nas reuniões sociais dessa nova classe, que estava ávida por arte e desejava marcar seu domínio também no plano estético, assim como a monarquia o fizera.
Beethoven, embora não se descuidasse de questões mundanas, como o dinheiro, possuía uma aversão ao comum. Todo esse ímpeto mercadológico em torno de seu nome em Viena acaba por exigir, de seu espírito, férias. Assim, viaja para o interior. Para uma cidadezinha chamada Heiligenstadt. É aqui que se desenrola, diante de uma população estarrecida, uma briga entre os irmãos Beethoven, na rua. Nessa cidadezinha, Ludwig concluiu muitas de suas obras, inclusive as 3 Sonatas para Violino n.º 6, 7 e 8, publicadas como op. 30; as 3 Sonatas para Piano n.º 16, 17 e 18, publicadas como op. 31 e a Sinfonia n.º 2, em Ré Maior, op. 36. A briga deu-se por conta do op. 31. Ludwig havia prometido a obra ao editor Nägeli, de Zurique; mas Carl havia firmado acordo com a Breitkopf & Härtel, de Wiesbaden, sem que Ludwig soubesse – o que, de qualquer forma, também provocou despeito nos editores vienenses contra os dois irmãos, ora, Beethoven morava em Viena! Por fim, acabou sendo publicada pela Simrock, de Bonn.
A Sinfonia n.º 2, em Ré Maior, op. 36, estreou em 5 de abril de 1803, no Theater an der Wien. Se a Sinfonia n.º 1 foi um trabalho meio às pressas de um jovem desconhecido ávido por fazer-se conhecido, a segunda já seria bem pensada, bem calculada em seus efeitos, com um tratamento orquestral que já não deixa dúvidas de quem é o compositor. Por essa época, Beethoven ainda desejava escrever uma ópera – um de seus sonhos era domar o público de Viena através desse gênero, que era o mais amado da cidade e foi através dele que Mozart escreveu suas obras-primas maiores e mais importantes. Todavia, Beethoven nunca conseguiria essa proeza.
A Sinfonia n.º 1 é violenta. A n.º 2 parece uma comédia operística. Esse é o padrão que Beethoven imporia em suas sinfonias. As de números ímpares, sempre mais brutais, violentas, revolucionárias; as de números pares, mais amenas, mais tranquilas e contemplativas. Essa obra possui um charme galante que não se encontraria no Beethoven posterior. Parece exagero da minha parte, mas lembra as boas comédias mozartianas. O sentimento nessa obra varia da graça jovial para o riso escancarado e pleno, é uma obra muito feliz, uma ópera buffa sem palavras.
Uma curiosidade pertinente: a Nona será em Ré Menor, e seu movimento final contém a Ode à Alegria – essa Segunda Sinfonia, em Ré Maior, além de alegre, contém uma antecipação do tema inicial do primeiro movimento da Nona. No link que deixo ao final do artigo, esse tema aparece no minuto 2:41 ao 2:47. Beethoven associa o ré, maior ou menor, à alegria, nessas sinfonias. Mas vejam, ou melhor, escutem, a alegria na Segunda Sinfonia é mais individualizada; quando ela surge na Nona, com um Beethoven mais complexo e completo em sua arte, a alegria é um imperativo universal à vida no mundo que irmana os homens.
O segundo movimento, “Larghetto”, contém uma melodia tão naturalmente enunciada, que parece que surgiu de uma vez só para Beethoven. Embora os manuscritos demonstrem o trabalho contínuo nas modificações que o mestre fez para chegar a essa perfeição melódica. Perfeição e naturalidade, na arte, é sempre trabalho e transpiração. O artista só encontra sua naturalidade de expressão depois de muito engenho e determinação. E tem a alegria sem fim do quarto movimento, com suas figuras rápidas em semicolcheias nos fagotes e, sobretudo, as colcheias operísticas, mozartianas, dos primeiros violinos. Os quatro movimentos são, respectivamente: Adagio molto – Allegro com brio; Larghetto; Scherzo – Allegro e Allegro molto. Uma apresentação dura em média 35 minutos. Abaixo, um link com uma gravação da sinfonia, por Christian Thielemann.
https://www.youtube.com/watch?v=FdvcIE6kVuE&ab_channel=250thChannel