*Alexsandro Alves
Eu lembro que, quando criança, em Recife, no Jefferson Colégio e Curso, nas horas do recreio eu me dirigia a uma das bibliotecas da escola, eram duas, e foleava uma enciclopédia chamada Time Life, em capa dura e papel couché de alta gramatura.
As edições eram sobre os temas mais diversos: do reino animal, vegetal e mineral à arte.
Foi numa dessas edições que primeiramente descobri a pintura, basicamente a pintura renascentista. A impressão de cada edição era completa – eu acho quem usaram a melhor tecnologia da época porque as páginas eram muito fartamente ilustradas com ilustrações coloridas.
Em uma dessas edições, sobre arte renascentista, descobri esta pintura:
A Assunção da Virgem, de Ticiano (1473/1490[?] – 1576). Pintada entre 1516 e 1518, a pintura tem quase sete metros de altura. Se constitui na maior pintura realizada em madeira, são ao todo 22 chapas de choupo unidas e pintadas à óleo.
Com esta obra monumental, Ticiano firmou sua glória entre os mestres do Alto Renascimento, sobretudo entre os mestres venezianos. A pintura se encontra na Basílica de Santa Maria Gloriosa dei Frari, em Veneza.
Dividida em três partes: a base da pintura retrata os apóstolos que, admirados, louvam àquela que se encontra acima de suas cabeças; essa é a segunda parte da pintura: Maria cercada por anjos que, também admirada, louva a Deus, no terceiro momento da pintura. Este, por sua vez, prepara-se para coroá-la.
Através da cor, a obra possui duas regiões distintas: o azul do céu terrestre para os apóstolos e o dourado para o céu celeste, para os seres sobrenaturais angélicos e divinos. Pairando por sobre uma nuvem, Maria é banhada por uma luz dourada intensa, dentro desta luz surge Deus, que a recebe.
Ticiano causou forte impacto e comoção quando apresentou a obra, exatamente pelo seu tamanho e também por ter pintado os personagens em tamanho natural.
Desde que conheci essa pintura, o que me causa mais admiração é o seu vermelho. Sobretudo no vestido da virgem, esse vermelho, que nessa pintura ressoa em dois apóstolos, abaixo de Maria, formando um triângulo isósceles, e em Deus, sobre ela, exatamente acima da ponta do triângulo, é a presença do próprio Cristo Redentor, que se faz presente sem ser personificado de fato. Ele então está presente em todos os planos: na terra, no ar e no reino celestial e os anjos que cercam Maria são distribuídos em uma meia-lua, conforme a mulher com a lua debaixo de seus pés, do capítulo 12 do Apocalipse de São João.
A pintura é renascentista, mas gosto de admirá-la ouvindo Bach. Quase 100 anos após o término da pintura, em 1610, Monteverdi comporia suas Vésperas da Virgem Maria exatamente para Veneza. Esta obra-prima da música conclui com um maravilhoso Magnificat, um cântico tradicional católico retirado de um trecho do evangelho de São Lucas, quando Maria recebe a visita do Arcanjo Gabriel que lhe anuncia a gravidez. Ela responde: Magnificat anima mea, “Magnifica minha alma”.
Sem dúvida, também uma música adequada para coroar nossos ouvidos, enquanto nossos olhos são coroados por Ticiano.