*Napoleão Veras
Vendo a obra Guernica, de Pablo Picasso, não há como não lembrar as imagens atuais da semidestruída Mariupol, cidade portuária da Ucrânia.
Dois massacres colossais para a má lembrança dos tempos, perpetrados, um pelo nazifascismo na Espanha da Guerra Civil, o outro pelo desalmado ‘Adolf’ Putin, que ainda assim prende e esfola
quem chamar de guerra essa sua ‘brincadeirinha’ com tanques e mísseis descomunais sobre a cabeça das populações civis, preferencialmente.
Obstinação de não deixar pedra sobre pedra. Onde não faz distinção entre o que é pedra e o que é vida, o que é inerte e o que pulsa, o que não respira e o que chora.
O custo humano dos seus atos não o sensibiliza. A dor alheia não o comove.
Por trás de atrocidades dessa natureza e magnitude há sempre um sujeito r u i m da cabeça — como no dizer do sambinha de Caymmi.
Putin confirma a regra e parece ser — por sua biografia e extensa folha criminal – um verdadeiro tratado pessoal de psicopatologia. Eminência parda por trás de assassinatos em série de desafetos, envenenamento medieval de adversários, renomado artesão de mentiras, de versões fantasiosas, de cabeludas teorias conspiranóicas. Convertido hoje em ‘besta das trevas’ a semear a morte, o pânico e destruição na Europa supostamente civilizada — e por isso, imune à barbárie.
Lógica cretina própria de ditadores paranóicos, espécie desprezível que deseja impor a todos a visão alucinante que lhe habita a mente amoral.
Administra a desgraceira de sua sala refrigerada, alcatifa a ocultar-lhe os sapatos, e confortabilíssimas poltronas reformadas do tempo dos czares.
Para o ditador tudo isso talvez seja um pouco maior que esses filmes enlatados das tardes preguiçosas de tv. Mas que também faz correr sangue, destruição e morte. O que para sua excelência não passa de um detalhe, ou detalhes a mais…
Quem imaginou ter passado a página Hitler, dá-se conta de ter hoje diante de si o fruto perfeito da cópula deste e Stálin — dois mega criminosos, igualmente autores de milhões de assassinatos, em campos de concentração e gulags, sob os emblemas sinistros da suástica e da foice e martelo.
Há anos assume vida reclusa, de ermitão doentio. Cada dia mais assenhorado de ideias paranóides, onde surealidade não é a do senso comum, nem a que habitamos. Pensar na hipótese de uma invasão da “otan” antes da guerra atual seria algo razoável? A guerra da Ucrânia mostra que não — expondo-lhe as ideias tortas encasquetadas.
Sua megalomania e autoritarismo habitam um universo moral próprio.
Na análise de articulista inglês, cujo nome me foge agora, “Se alguém se desconecta da moral reinante para criar seu próprio universo moral, está criado assim o círculo perfeito para legitimar a barbárie”.
Não há nele apreço pela condição humana, ‘a alma amorosa’ de que falava Manuel Bandeira.
Nenhuma lágrima ou piedade pela velha obesa que aparece nos escombros e amparada desce as escadas de sua casa para, provavelmente, nunca mais voltar a subi-las. Ou a pianista que se despede emocionada do seu instrumento, em meio a sua sala semidestruída, sopra o teclado empoeirado, e de pé escolhe com os dedos o lancinante Chopin para ir embora. Ou as crianças que saltitam nos abrigos antibombas sem saber da gravidade que lhes rodeia o destino. O que só saberão, na melhor versão, talvez algum dia bem longe. Ou o sobrevivente do Holocausto que escapou em quase todas as estradas (e buracos) do mundo para encontrar a morte em sua própria casa na explosão de trevas inesperadas, inexplicáveis.
Quem pára a besta das trevas?
Quem põe a brida no animal raivoso?
Fotos Em destaque, Guernica, de Pablo Picasso; e violoncelista toca Bach nos escombros de Mariupol.