*Gerinaldo Moura da Silva
A bodega de seu Serafim foi instalada por seu proprietário, o senhor Serafim Matias que era casado com dona Maria Tereza Matias, na saudosa Rua São João, depois nominada de Rua vereador Euclides Cavalcanti. A construção data da primeira metade do século XX, aproximadamente 1920, quando foi construída pelo senhor do Engenho Santa Rita o líder político Euclides Cavalcanti.
A princípio, a construção destinou-se a ser uma residência e em sua fachada tinha uma grande porta de madeira pela qual se tinha acesso à sala principal da casa e às demais dependências, e era ladeada por dois enormes janelões, foi erguida toda em tijolo cozido.
Ao adquirir a casa, o senhor Serafim Matias abriu as paredes onde ficavam as janelas, transformando- em três grandes portas para facilitar a entrada e saída dos fregueses (era assim que eram chamados os clientes) que procuravam comprar os mais diferentes produtos que eram comercializados na bodega, numa época em que não se tinha ainda supermercados na cidade do Ceará-Mirim, muito menos, a proliferação dos mercadinhos de bairros, que se tornaram fortes concorrentes das antigas bodegas ou budegas como também eram conhecidas.
Também foram construídos três batentes e uma marquise para proteção contra o sol e a chuva. A bodega tinha um grande balcão de madeira de lei, todo fechado na frente e em cima, e havia em sua lateral uma passagem. Várias prateleiras também feitas em madeira revestiam as paredes do recinto e eram lotadas de mercadorias, destacando-se as garrafas de bebidas e refrigerantes.
O interior da construção servia de moradia à família do proprietário. A casa possui uma porta que dá acesso a um longo corredor com três quartos, cozinha, banheiro e mais outro quarto. Para os clientes existia um banheiro externo que se chegava até o mesmo pela lateral esquerda da casa, não incomodando aos moradores.
Antes de adquirirem o imóvel com a finalidade comercial, dona Maria Tereza e seu serafim Matias possuíam um “local” no mercado público da cidade, onde comercializavam pão, brotes, bolachas de diferentes tipos e sabores além do leite in natura.
O músico e radialista JB – João Batista Matias, filho do velho Serafim e dona Maria Tereza, depois de ter viajado por vários estados brasileiros e ter residido por vários anos no eixo Rio-São Paulo, adquiriu o imóvel foi instalada a bodega no ano de 1976, comprando-o à senhora Ana Praxedes e seu pai ficou administrando a bodega até 2008, ano do seu falecimento.
A professora e acadêmica Margareth Pereira, em seu livro “as Bodegas do Patu e outras histórias”, traça um breve relato memorialístico sobre essas casas de comércio espalhadas pela cidade, centralizando o foco principal na Rua do Patu (atual Rua General João Varela) e narra de forma saudosista o fim das bodegas:
“Quando as lojas começaram a tomar o lugar das casas, à Rua do Patu, confesso que fiquei entristecida, pois era um prenúncio, de que a bodega mais tradicional, com portas e balcões de madeira, daria lugar a alguma loja muito em breve. Isso não tardaria porque a rua principal já estava tomada por lojas modernas, os supermercados se instalaram no centro da cidade e ela já parecia uma “intrusa” aos olhos de muita gente”.
(Pereira, Maria Margareth da Silva. As bodegas do Patu e outras histórias. Natal (RN) CJA,2018. Pág. 13.
A pedido de Maria Tereza, João Batista Matias (JB) continuou com a bodega em funcionamento por mais três anos, fazendo algumas adaptações, modificando inclusive os produtos que seriam comercializados, incrementando a venda de garrafões de água mineral e gás de cozinha.
Nesse período, a bodega se transformou em point para muitos artistas da cidade e/ou estudantes que marcavam presença para um bate-papo, tomar uma cervejinha ou uma “destilada” e falar de assuntos relacionados à cultura musical, principalmente.
Dentre os principais frequentadores, estavam Erinho Seixas (Erivan Seixas) o “Raul Seixas” de Ceará-Mirim responsável pela realização do Tributo a Raul há três décadas, André Montenegro (filho de Zé Luís e Nalige Montenegro, Martiliano Filho e seu irmão Aureliano, Cadu (Carlos Eduardo Araújo) e Carlos Henrique Araújo (filhos de Deca de seu e da professora Dorinha Araújo), além de Jojó (neto do senhor Pedro Carlos do Posto são Pedro) e tantos outros que mantiveram com suas presenças e alegria uma centelha de luz acesa no ocaso que se aproximava a passos largos de mais uma bodega do Ceará-Mirim.
E citando a escritora Margareth Pereira quando se referia às que ficavam na Rua do Patu …” Mas ela ficará nas mentes e nas vidas de muita gente…” (As bodegas da Rua Patu pág. 13)
E ainda se referindo ao ambiente das bodegas, Margareth Pereira assim encerra sua crônica
“As bodegas da nossa infância não tinham prateleiras frias e silenciosas, elas tinham cores que enchiam nossos olhos com as diversas coisas ali vendidas pelas mãos de um comerciante, que mais parecia um parente próximo”
(As bodegas da Rua do Patu pág. 15)