*Miranda Sá
Na boiada já fui boi/ Boiadeiro já fui rei/ Não por mim nem por ninguém” (“Disparada”, de Geraldo Vandré)
Aprendi com William Blake, romancista e jornalista escocês autor de vários livros de sucesso, incluindo o excelente romance “A Estranha Aventura”, que “quem nunca altera a sua opinião é como a água parada e começa a criar répteis no espírito”.
Aproveitando também a letra filosófica de “Disparada” afirmo que sempre “as visões vão se clareando, até que um dia acordamos”.
Quem tem olhos de ver e ouvidos para escutar, vê e escuta o que se passa no Governo Bolsonaro desde que assumiu o poder; mesmo tendo votado nele, iludido pelo discurso contra a corrupção, assiste um projeto ditatorial em marcha.
Não há dúvida, porém, que as sinalizações e tentativas têm sido frustradas, embora os órgãos de Estado – alguns já aparelhados e submetidos, outros inexplicavelmente omissos –, não se interessam, ou fingem não se interessar.
Os intentos goros contaram com a criação de uma guarda pretoriana de oficiais militares de pijama aliciados pelo aceno do deslumbramento em recuperar uma voz de comando que na realidade se resume a cumprir as ordens do Empregador.
Não dando certo, mesmo contando com simpatias de alguns oficiais superiores das FFAA, levou o Capitão a mergulhar numa desatinada campanha reeleitoral usando o aparelho governamental e o dinheiro do contribuinte.
Até agora o Tribunal Superior Eleitoral silencia diante das loucuras eleitoralistas de Bolsonaro arrotando o seu personalismo negativista, ameaçando levar o país ao caos e executando uma diabólica política necrófila que já levou à morte meio milhão de brasileiros.
Aplausos da ignorância somam-se ao aplauso de mercenários pagos e à anuência do baixar a cabeça dos bezerros de presépio que formam o cordão dos puxa-sacos e induzem uma falsa impressão de apoio popular.
Esses “bezerros mamões” lembram a lenda dos pampas sulistas, incorporada ao fabulário gaúcho “Negrinho do Pastoreio”, que conta a história de um menino negro castigado por um fazendeiro cruel por ter deixado um garrote da boiada fugir. Foi amarrado, lancetado e deixado num formigueiro.
Nos finais do século 19 era contada em sermões por padres abolicionistas do Rio Grande do Sul e foi amplamente divulgada pelos brasileiros que defendiam o fim da escravidão nas Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
A narrativa da maldade se reproduz na atualidade com o estímulo no Governo Bolsonaro do “passar da boiada”, a metáfora para animar a ameaça ao meio ambiente, invasão das reservas indígenas, negociatas com farmacêuticas pela propaganda de drogas ineficazes contra a covid-19 e o genocídio provocado contra a Nação pela negação de medidas preventivas e a vacina.
O “Passar a Boiada” foge até do eufemismo, que suavizaria a linguagem de fazendeiro cruel… Provoca revolta e estimula uma cruzada por uma nova abolição para libertar os brasileiros de um governo cuja política necrófila acaba de registrar meio milhão de mortos pela covid-19; num dos últimos comentários sobre os óbitos pela doença, o capitão Bolsonaro falou em “CPFs cancelados”; desta vez silenciou.
Reinando com a mitomania obsessiva, com as pequenas mentiras somando-se avolumam um tsunami de verdades, o Capitão vem usando o instituto do sigilo: para 73.281 documentos do seu governo; para a reunião ministerial do “Passar a Boiada”, para a triste absolvição da indisciplina do general-ativista Pazuello pela cúpula do Exército, e até para “seu diagnóstico” da covid-19, que muitos dizem ser mentiroso.
Nietzsche foi futurista e projetou a realidade brasileira quando escreveu: “O homem do rebanho chama de verdade aquilo que o conserva no rebanho e chama de mentira aquilo que o ameaça ou exclui do rebanho”.