*Franklin Jorge
Embora desfigurada em seus detalhes arquitetônicos até o irreconhecimento, e transformada em depósito de ferramentas por seu atual proprietário, a multinacional Monsanto, eis que revejo em uma publicação digital a casa de minha infância rural no Vale do Açu.
Visitei-a, 53 anos depois que a deixei para sempre, em 2018, e à primeira vista não a reconheci. Olhei em volta. As terras que a circundam estão ocupadas um vasto e bananal, verdolengo e sombrio, sem nenhuma viv´alma, só um denso silêncio que se podia cortar a facão.
Nenhum resquício dos bosques de carnaubeiras e oiticicas, a mais misteriosa das árvores, arrancada pela raiz para a expansão do bananal irrigado, em terras que o meu Padrinho comparava às que o rio fecundava a cada enchente que as fortificavam com o balseiro. Pareço ainda ouvir sua voz. Amélia, depois que eu me for, não as venda. Aqui há petróleo. Essas terras são tão ricas e fecundas como as que margeiam o Nilo. Só há terras semelhantes a estas no Egito e em Viçosa, Minas Gerais…
Notei, além do estado ruinoso da construção de 1938. Portas e janelas originais, de cedro, haviam sido substituídas por tábuas ordinárias, como as que antigamente sob a forma de caixotes transportavam barras de sabão, que comprávamos nesses engradados amarelos e ásperos e eram armazenados na grande despensa contígua à sala de jantar e à cozinha, onde, uma vez, uma coruja fez um ninho.
Por suas frestas ainda pude ver o que restou de meu antigo quarto, externamente despojado de seu janelão envidraçado e da jardineira, e a sala de visitas, já desprovida da mobília inglesa e das vozes que transbordavam da infância.
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