*Gerinaldo Moura
Na infância, várias coisas nos marcam para a vida inteira. Uma dessas lembranças é a famosa “Casa dos Leões” que foi construída na esquina da Rua Dr. Heráclio Villar com a Praça Barão de Ceará-Mirim. Sua construção data do início do século XX, provavelmente, entre os anos de 1910 a 1915, tendo em vista o seu modelo que nos remete ao ecletismo historicista, onde estão presentes em sua fachada ainda bem conservada, elementos arquitetônicos de sua construção original.
O professor Francisco Cláudio Soares Júnior, informou que a Casa dos Leões havia sido construída pelo senhor Manoel Marques, um afamado mestre de obras do Ceará-Mirim, pai da senhora Lêda Marques, avô do ex-prefeito interino de Ceará-Mirim e atual presidente da Câmara Municipal, o Vereador Ronaldo Marque Rodrigues (Ronaldo Venâncio).
Os proprietários da suntuosa residência, foram o senhor Clóvis Soares e a senhora Cremilda Varela Soares, remanescentes de tradicionais famílias instaladas no vale verde do Rio Ceará-Mirim e na cidade, ligadas à economia açucareira proveniente dos engenhos e hoje, a casa encontra-se em poder de seus herdeiros. Sabe-se. No entanto, que ela não foi a única construção que foi feita no local citado, pois se tem notícias e registros fotográficos de uma outra moradia com características bem diferentes da atual, cuja foto está sob a guarda do professor Gibson Machado.
A casa dos leões é bem localizada, construída em uma esquina central e com a estrutura que nos remete a um passado forjado no colonialismo dos primeiros europeus portugueses que por aqui passaram e lembram o prestígio social e o poder econômico de seus proprietários.
Muito já se especulou sobre seu estilo arquitetônico, recebendo opiniões que seria Art. Nouveau, Neocolonial ou colonial, porém, sabemos que ela possui vários desses elementos, formando um belo prédio de características do estilo eclético, mesmo tendo em sua cobertura as famosas telhas francesas. No perímetro das ruas Dr. Heráclio Villar (antiga Rua da Aurora) e Dr. Manoel Varela (antiga São José) existem algumas construções destinadas a moradias que foram obras do mestre Manoel Marques e que serviam para abrigar as famílias tradicionais do Ceará-Mirim.
Também conhecida como residência dos Soares, a casa dos leões é a única na cidade que ainda mantêm sua cobertura com telhas francesas que são fabricadas no Brasil há mais de trezentos anos e o uso das mesmas leva a uma economia muito grande em relação às telhas coloniais, utilizando, no entanto, uma cobertura mais alta, empregando mais madeira.
A casa dos leões tem um telhando rico em detalhes o que nos chama a atenção desde muito longe, podendo ser considerado uma obra de arte da arquitetura. Por outro lado, os custos não encareciam a obra devido ao grande número de madeiras de lei em abundância nas propriedades da zona rural canavieira.
O solar dos Soares é bastante arejado, rodeado de janelas e na sua entrada principal existe uma charmosa escada de acesso à área, por onde se atinge a sala de visitas. A escada fica na parte interior, após transpor um pequeno portão de ferro. Os muros também com pouco mais de um metro, protegem a casa, delimitando a calçada e pequenos canteiros.
A casa tornou-se conhecida na cidade e região pelas estátuas de dois leões que guarneciam a residência e estavam postados nas colunas do portãozinho de ferro, que após transpô-lo, se alcança a escadaria do terraço antes de entrar efetivamente no interior da residência.
Os leões faziam a alegria da garotada que se dirigiam ao Grupo Escolar Barão de Ceará-Mirim, ao Educandário Madalena Antunes Pereira e Colégio Santa Águeda que obrigatoriamente passavam pela calçada, e além de admirar, o que mais incitava a imaginação da garotada, era colocar a mão na boca do leão e sair correndo com medo da simples travessura, como de os proprietários “darem carões”.
Até que um dia, a casa, a praça, a cidade, os meninos e toda a cidade receberam a triste notícia de que os leões haviam sido roubados depois de anos protegendo a casa, alegrando a criançada, embelezando a rua e a praça, sem que ninguém até hoje tenha tido um paradeiro do rei leão representado pelas belas esculturas no portão de seu Clóvis Soares e dona Cremilda Varela Soares, restando apenas as imagens vivas nas mentes dos que viveram um Ceará-Mirim de paz e brincadeiras inocentes de suas crianças e adolescentes distantes dos perigos existentes na sociedade atual.
Do patamar da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, era bonito de se admirar aquele casal de felinos, tão fortes e ao mesmo tempo tão inocentes, ali olhando um para o outro como se estivessem a conversar. Pura maldade o que fizeram! Um roubo até hoje não esclarecido. Roubou-nos uma doce recordação infantil.
A casa dos leões reina imponente sem os seus “reis” a tomar conta dela. Mudanças foram poucas. Não mexeram na estrutura apenas algumas intervenções ou adequações, exigências de um tempo como as “mãos francesas” para protegerem as janelas e a implantação de grades de ferro para reforçar a segurança em dias de incertezas. Requer um restauro em parte de seu teto que já ruiu em um ponto, por sobre o quarto da frente.
Admiremos este solar enquanto podemos, e torçamos para que não pereça e não tenha o mesmo destino que levaram ao desaparecimento, vários monumentos que fizeram parte da história arquitetônica do Ceará-Mirim.