*Marcos Garcia
Hoje vou falar de mais uma hq independente que eu tive a honra de acompanhar bem de perto a sua produção, estou falando de A Cidade asfixiada, obra de Renato Medeiros e Rodrigo Xavier, membros do Coletivo Quadro 9.
A história é simples e direta, nada de rodeios, sem enchimento de linguiça. Temos dois policiais que investigam um carregamento ilegal de produtos buscando ao mesmo tempo prender os traficantes. Tudo isso tem como pano de fundo uma cidade, ou melhor, cidades, construídas em uma torre futurista que é o único reduto civilizatório em um mundo abandonado pelos ricos, ficando só o “entulho” o resto da humanidade. Conforme o visto acima parece muito com uma história universal de ficção cientifica, o que diante da retomada desse gênero no século 21 e seu destaque cada vez maior em séries, retomada de filmes clássicos como Blade Runner 2049, Alien, entre outros.
O que eu achei? Narrativamente densa, inteligente, e ainda criativa. E a capa, tenho que falar da capa; designer, cores e composição fantásticos, que poderia facilmente ser enquadrada e pendurada para embelezar os cômodos de sua residência.
O que pude refletir sobre a narrativa daquela história em quadrinhos que vai além de suas 48 páginas e de ser “apenas uma hq rápida de aventura noir detetivesca misturada com ficção cientifica” nos dizeres do próprio autor/roteirista Renato Medeiros é a sub trama por trás, que é óbvia e contradiz o que o roteirista diz. Não sei se na fala de Renato ele tem a exata ideia do que fez, tenho uma teoria que ele sabe sim! Até porque considerando ter como profissão A filosofia, ele é professor dessa disciplina na escola pública do RN, não se contentaria de fazer uma história pela história. Isso que fez não é novidade, outros grandes roteiristas/escritores o fizeram antes, principalmente nos quadrinhos, como Alan Moore, Grant Morrison, Frank Miller, Brian K. Vaughan, Robert Kirkman, Jeff Lemire e Brian Wood. Mas seguidor de uma linha de filosofia intitulada existencialista era esperado que a hq seguissem esse rumo.
O que seria ela? A sub trama? Essa interpretação é minha, não necessariamente a dos autores, foi o que li ali e me fez refletir sobre o assunto. Sinto uma imensa insatisfação ao ler algum quadrinho quando quer ser o que não é, altamente filosófica ou intelectual e que não consegue ao mesmo tempo, nem contar uma história e nem divertir. Uma história pode nem ser “profunda” e menos ainda “intelectual”, mas simples, e na sua simplicidade consegue ser profunda ou quem sabe apenas uma hq divertida, pois Cidade Asfixiada faz as duas coisas, você pode ler só para se divertir, mas se procurar alguma coisa mais profunda está lá, é só procurar. Essa última palavra “procurar” é o que busco as vezes numa história, o subtexto é o procurar o que o texto não diz diretamente, a outra história que está em outro nível da trama aparente, soterrada buscando aparecer, obrigando o leitor tal qual o arqueólogo desencavar aquela história soterrada para que se revele e lhe entregue seus segredos.
O pensamento existencialista leva o personagem a questionar o mundo, o papel de cada indivíduo nele, a existência, vida e morte, a reflexão sobre pessoas, trabalho. Lembra muito a abordagem de Camus, Sartre e algumas vezes Kierkegaard o filosofo dinamarquês. Tudo isso é reforçado durante a investigação e seu desfecho.
Finalizando, sinceramente espero que Renato e Rodrigo voltem a esta história, penso que tem muito o que ser extraído dali. Fiquei curioso de saber o que eles pensam fazer com esse material. Entretanto só espero que consigam fazer uma história com mais fôlego. Sei bem que o tipo de hq que fizeram é bem mais difícil de atingir um público mais amplo. Mas penso que o momento das hqs autenticamente brasileiras e de temas nacionais em cenários distópicos e que exploram a sua região, nesse caso, a região nordestina é necessária. Parabéns aos dois autores por essa maravilhosa hq. Me avisem quando tiverem outra para lançar, comprarei com certeza!
*Marcos Garcia é designer gráfico, ilustrador, quadrinhista, projeto de escritor, leitor e, nas horas vagas, astronauta.
SERVIÇO
A cidade asfixiada tem 48 páginas em preto e branco, e é quadrinho de alto nível aqui da terra.
Roteiro: Renato Medeiros
Arte: Rodrigo Xavier
Como adquirir: [email protected]
