*Richard Wagner
Carta para Mathilde Wesendonck, 1º de outubro de 1858
Mas também tenho claro em minha mente por que posso sentir maior solidariedade pelas naturezas inferiores do que pelas superiores. Uma natureza superior é o que é precisamente porque foi elevada pelo seu próprio sofrimento às alturas da resignação, ou então tem dentro de si – e cultiva – a capacidade para tal desenvolvimento. Tal natureza é extremamente próxima da minha, é de fato semelhante a ela, e com ela alcanço a alegria companheira. É por isso que, basicamente, sinto mais solidariedade pelos animais do que pelas pessoas. Pois posso ver que aos animais é totalmente negada a capacidade de se elevarem acima do sofrimento e de alcançarem um estado de resignação e de profunda calma divina. E assim, no caso do sofrimento animal, como acontece quando são atormentados, tudo o que vejo – com uma sensação do meu próprio desespero atormentado – é o seu sofrimento absoluto, sem redenção, sem qualquer propósito superior, sendo a sua única libertação a morte, que confirma minha crença de que teria sido melhor para eles nunca terem entrado na vida. E assim, se este sofrimento pode ter um propósito, é simplesmente despertar um sentimento de solidariedade no homem, de solidariedade pelos animais e pela vida, que assim absorve a existência defeituosa do animal e se torna o redentor do mundo ao reconhecer o erro da existência. (Este significado um dia ficará mais claro para você na cena da manhã da Sexta-Feira Santa, no terceiro ato de Parsifal.)
Comentário da carta por Stewart Spencer e Barry Millington, especialistas em Wagner, Universidade de Cambridge:
O Irrthum des Daseins (erro da existência), na visão de Wagner, consiste em egoísmo, que apenas dá origem a mais e mais violência e sofrimento. Ao superar o egoísmo, um ser humano pode tornar-se um redentor do mundo. Com esta formulação, que combina a ética da compaixão com os acontecimentos da Sexta-Feira Santa, estabelece-se a ligação ao Cristianismo. Segundo o Cristianismo, Jesus de Nazaré é o único redentor do mundo. Ele sacrificou Sua vida sofrendo no lugar de toda a humanidade pecadora; isto é, no que diz respeito a Wagner, para todos aqueles que estão apanhados no egoísmo e, portanto, já miseráveis. Este foi o cerne do drama de Wagner, Jesus von Nazareth. No seu último drama musical, Wagner retomou esta noção e as implicações cristãs parecem claras, mesmo que o próprio Cristo não seja nomeado. Wagner revisou, no entanto, a doutrina aceita pela sabedoria convencional do cristianismo, ao permitir que os seres humanos se tornassem redentores do mundo, na medida em que um indivíduo pode imitar a Cristo colocando em prática o amor compassivo pelos animais e pela vida em geral. Cristo é o protótipo do redentor, seu arquétipo mítico. A cena da Sexta-feira Santa de Parsifal pretendia desenvolver esta ideia. Como cada indivíduo representa a totalidade da existência, cada indivíduo pode tornar-se, de acordo com Schopenhauer, Adão (humanidade caída) ou Cristo (o Redentor). Wagner explica esta dicotomia alguns meses depois com a oposição de Amfortas e Parsifal. Em uma carta para Mathilde Wesendonk de 29 de maio de 1859.