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A concentração criativa

Em conferência sobre o mistério da criação artística, escritor de língua alemã afirma que o artista pode esquecer-se de si mesmo e do mundo durante a criação, não diferentemente do crente durante a oração, do sonhador durante o sono.

*Stefan Zweig

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O artista só pode criar seu mundo imaginário esquecendo o mundo real.

No exemplo clássico de Arquimedes aprendemos, já na escola, a intensidade que o auto-esquecimento pode atingir, aquela existência fora do mundo verdadeiro. Você deve se lembrar:… Quando a cidade siciliana de Siracusa, após um longo cerco, foi conquistada, e os soldados, penetrando nela, começaram a saqueá-la, um deles entrou na casa de Arquimedes. Encontrou o grande matemático no meio de seu jardim, onde desenhava figuras geométricas na areia com um bastão.

Assim que o viu, o assassino atacou-o com a espada nua, mas o pensador, perdido em seus próprios problemas, apenas murmurou, sem virar a cabeça: “Não perturbe meus círculos”. Em seu estado de concentração criativa, Arquimedes só percebera que algum estranho poderia destruir as figuras geométricas que acabara de desenhar na areia. Ele não sabia que aquele pé era o de um soldado pronto para saquear e matar, ele não sabia que o inimigo já havia ocupado a cidade, ele não tinha ouvido as fanfarras marciais nem os gritos dos vencedores, nem os estertores de morte de seus compatriotas mortos. Ele não percebeu a ameaça que pairava sobre sua própria vida, porque naquele momento de extrema concentração ele não estava em Siracusa, mas em seu problema matemático.

Esta é a prova da intensidade que a concentração espiritual pode atingir em grandes homens criativos. Deixe-me oferecer-lhe outro exemplo, correspondente a tempos mais modernos. Um dia, um amigo de Balzac entrou sem avisar em seu escritório. Balzac, que na época estava escrevendo um romance, virou-se, pôs-se de pé de um salto, pegou o amigo pelo braço em estado de suprema exaltação e exclamou com lágrimas nos olhos: “Que horror! A duquesa de Langeais está morta. Seu visitante olhou para ele intrigado. Ele conhecia bem a sociedade parisiense, mas nunca ouvira falar de tal duquesa de Langeais e, de fato, não havia duquesa com esse nome; foi apenas uma das figuras do romance de Balzac que, no momento em que o amigo entrou, descrevia sua morte. Ele tinha aquela morte tão presente como se a tivesse visto com seus próprios olhos, e ainda não havia despertado de seu sono produtivo. Só quando se deu conta da surpresa do visitante é que se deu conta de que estava novamente no outro mundo, no mundo da realidade.

Esses dois exemplos são suficientes para mostrar até que ponto o artista pode esquecer-se de si mesmo e do mundo durante a criação, não diferentemente do crente durante a oração, do sonhador durante o sono.

Stefan Zweig
O mistério da criação artística
Palestra proferida em Buenos Aires, 29 de outubro de 1940

Foto: William Faulkner
12 de agosto de 1954,  Oxford, Mississippi