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A construção da cidadania

Pertencente à Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado se destaca pela variedade dos gêneros que explora em seus livros, o que inclui os infanto-juvenis, peças de teatro e, por último, os ensaios que a colocam em uma posição singular.

*Franklin Jorge

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“Balaio”, titulo um tanto prosaico e pouco atraente para sintetizar e exprimir o espírito humanístico que norteia as reflexões de sua autora sobre livros e leituras, enriquece a bibliografia da autora. Professora emérita, escritora e jornalista, Ana Maria Machado integra o panteão da Academia Brasileira de Letras e se distingue, especialmente, por seus ensaios e pela difusão do gosto pela leitura entre os jovens, construído a partir de uma prosa que se impõe por sua substantividade, através da qual constrói a cidadania.

Encantada com as possibilidades criativas da linguagem, Ana Maria Machado reúne em “Balaio…”, ensaios, reflexões, entrevista, critica e, coroando tudo isso, o seu discurso de posse na ABL – mais que um mero discurso protocolar, a síntese mesma de sua experiência intelectual e do seu compromisso com a cultura e a critica da cultura, a literatura, a educação de jovens brasileiros e a afirmação da própria nacionalidade, que se faz, como bem o disse Monteiro Lobato, com homens e livros. Uma mestra, portanto.

Ana Maria Machado socializa generosamente, nessa obra repleta de idéias e sugestões, todo o arsenal adquirido em anos de convívio com os livros que, para a sua autora, são mais que objetos inanimados, tal a vivacidade do seu pensamento critico e a propriedade de um estilo à serviço duma cultura dinâmica e multifacetada.

Em “A Hora da Escrita”, capitulo de abertura, constituído por três curtos ensaios sobre a essência mesma da escritura em abordagem, por assim dizer, transparente, de recursos e segredos de ofício a que ela chama modestamente de “dicas”, experimentados por si e por outros autores de diversas nacionalidades, como Hemingway, Faulkner, Virginia Woolf, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Fonseca, Chico Buarque, Garcia Márquez, entre outros reconhecidos mestres.

Não citarei a seqüência de capítulos que recheiam esse balaio tecido de idéias, de leitura obrigatória não apenas para escritores, mas para todos aqueles que almejam vir a sê-lo, sem desperdício de tempo. Contudo, não posso deixar de referir “Crescendo com os Livros”, constituído por cinco ensaios e uma esclarecedora e instigante entrevista inédita com a escritora Deborah Ellis, que reiteram a cultura e o estilo da autora, expressos em lições hauridas no curso de uma existência digna e laboriosa.

Conhecida sobretudo por seus livros para um público infanto-juvenil, surpreende em Ana Maria Machado a lucidez com que percebe e interpreta a realidade em textos analíticos e reflexivos que delatam o vigor de sua inteligência privilegiada. Sua carta aberta ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, em defesa dos direitos do autor, chama a nossa atenção para a condição subalterna do trabalho intelectual ao desnudar com terrível elegância a alienação e a má fé de sua excelência, por acaso também um artista, empenhada, em má hora, no rebaixamento dos escritores. O que nos mostra que, além de escrever bem, Ana Maria Machado sabe perfeitamente o que se passa à sua volta, inclusive no âmbito da política