*Franklin Jorge
Sua voz é um veludo azul. Nela, além da voz, impressionam os olhos que me pareceram verdes ou castanhos, sem maquiagem ou maquiada de forma a parecer demaquiada. Que sei eu duma diva negra que vem de muito longe?
Conhecemo-nos e conversamos no jardim do Theatro Alberto Maranhão, no Seis e Meia.
Carmen Costa tem a cara de bossa nova.
Quando canta é uma mulher que flameja, uma mulher que flameja.
Ela me olhou como se me conhecesse. Eu a olhei como se a conhecesse.
Noto que usa uma túnica de algodão em um tom pastel de verde-amarelado.
Parecia-nos uma mulher comum e incomum a um só tempo.
Senti em seu sorriso uma voz de veludo azul.
Agora Cláudia, Claudia Kiki Kiki, pergunta-me se ouvi a Diva Negra no YouTube. E mandou-me o link, que reproduzo:
Assista a “10 anos sem CARMEN COSTA, a primeira diva negra da música brasileira” no YouTube.
Estávamos na Prefeitura de Curitiba. Eu participava dum congresso de crítica de artes plásticas. Carmen Costa tinha compromisso musical.
Uma rainha do rádio.
Trocamos algumas palavras sobre Curitiba e o Centro de Arte.
Não devemos pensar que a vida é um degredo, de tudo o que foi dito nesse encontro essa sentença marcou-me. Conversávamos, naquela manhã fria, sobre a força da esperança. Por esse tempo, entra-nos Curitiba, de tão fria, pelos ossos. Sentimo-nos perfurados por mil punhais.
Agradecida por ter vida, mesmo cheia de obstáculos e desafios constantes, diz sorrindo. Vira-a no Seis e meia, alguns anos atrás, já raramente tocada no rádio.
Talvez a tenha prejudicado os anos em que viveu nos EUA. Quando sua carreira decolara espetacularmente. Desafiadoramente. Quebrando barreiras. Prima-dona à sua maneira, viva, visceral, abissal, marítima.
Carmen Costa parecia cansada. Caminhava para se tornar o que viria a ser desde o começo do mundo. Seu rosto era um palimpsesto. Nele se inscreviam miríades de almas como em pentimento. A alma de uma diva negra, de voz de veludo azul.