*Franklin Jorge
Da vida em família, no Estevão, me lembro especialmente de nossos jantares que, em contraste com os almoços, eram sempre frugais: sopa, coalhada [meu avô a comia às vezes com alguns grãos de milho ou feijão verde; calambica, que se dizia comida predileta nas antigas senzalas, mas apreciada igualmente nas casas-grandes; biscoitos Flor do Assú não podiam faltar; e, eventualmente, mugunzá; arroz-doce; cuscuz; tapioca com abundante coco seco ralado grosseiramente; manteiga e café.
Comia-se segundo um preceito antigo: tomar o café da manhã como um rei; almoçar como um príncipe e jantar como um mendigo, regime seguido rigorosamente pelo chefe da família que acreditava ser a garantia de boa saúde e de uma velhice sem achaques. Era a hora das conversas sobre os fatos do cotidiano, sobretudo da política.
Dessas conversas me lembro que em plena campanha de Aluizio Alves x Djalma Marinho para o Governo do Estado. Minha avó acabara de voltar de Natal, depois de quatro ou cinco semanas consultando médicos e fazendo compras, para mim, geralmente, livros ansiosamente aguardados. Em meio a conversa, meu avô perguntou: Amélia, em Natal quais são os prognósticos sobre a disputa eleitoral? E minha avó, Pela vontade do povo, Aluizio será o próximo governador. Tanto é que circula uma anedota em Natal dando conta disto. Conta-se que à noite, após o jantar, sentados em seu terraço na Prudente de Morais, balançava-se Dr. Djalma, em sua cadeira, quando disse bruscamente: O que é a vida, Celina! O que é a vida! Hoje, você dorme comigo; amanhã, com o governador… E sua esposa, alarmada, sem acreditar no que ouvia, retrucou: E como vai ser isso, Djalma…? Como vai ser isso…? Aluizio vem pra cá ou eu vou pra lá…? Riamo-nos muito dessa boutade que exprimia bem a vontade do povo.
Lá em casa, não tínhamos nenhuma confiança em políticos. Fôramos instados a desconfiar deles em qualquer circunstância. Meu avô dizia que seriam capazes de tirar o pão da boca de uma criança faminta. Porém, toda noite, o momento mais aguardado por mim era aquele em que eu e minha avó ficávamos sozinhos em volta da comprida mesa de cedro, conversando, enquanto os pratos eram retirados por Rita. Naquela hora mágica, convocava-se Dickens, Daudet, L. Robert Stevenson, os Irmãos Grimm, Wilde, Kipling, Monteiro Lobato, Cervantes, a sra. Leandro Dupré…
Os cadernos de Jorge Antônio
[Fragmento de diário literário inédito]
Foto Estúdio de Franklin Jorge
Pitimbu, 2022.