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A esquartejada dor de ser

Navegos reproduz texto originalmente publicado no suplemento Livros, do Jornal do Brasil, em 1982, escrito por grande crítico literário e poeta pernambucano quando do lançamento de seu livro de poemas apresentado pelo memorialista e critico  literário Antônio Carlos Villaça.

*Iran Gama – Poeta, escritor e critico literário, nascido em Buíkue

Poemas Diabólicos & Dois Temas de Satã (Fundação José Augusto/Ministério da Educação e Cultura, 1982), de Franklin Jorge; ilustrações de Flor Opazo Baltra e prefácio de Antônio Carlos Villaça.

Viver não é exercício transitório de ser, com a sua parábola provisória de alheamento; para se viver, há que se assumir a realidade do ego, conviver com a distermia do pathos social e assimilar a dialética do logos. O ponto de confluência – também centrífugo – é a pessoa – “hoc opus labor ets”, conforme Virgílio. Esta, a não menos terrível conclusão a que se vai, lendo-se Poemas Diabólicos & Dois Temas de Satã. Chega-se a ouvir o eco do grito de Rimbaud ultrapassando os anos e dobrando o século, ainda lancinante repto para a liberdade de ser: “Mais, cher Satan, je vous en conjure, une pronulle moins irritée!”

Esse grito de liberdade, essa prospecção do eu invectivando contra a idiossincrasia social, revolve-se e ensina que ao homem convém ambientar-se com todas as realidades, que ao final são apenas uma: ser. E por isto a angústia perpassa as palavras inscritas nas colinas de cada poema, jogando ao posto da inteligência provinciana e inquirindo da sociedade doente, os pontos de ruptura sob os quais muitos dos seus dogmas estão assentes, expostos, facilmente, ao mais rudimentar exame lógico. Para o leitor, é o choque entre o seu atavismo místico e uma realidade freudiana, tão absortamente, que se pode repensar ser pessimista o fato de aceitar realidades que são contrárias ao “rictus faciendi” da maioria social.  Faz emergir, cruamente, a ponta do iceberg da hipocrisia tão solidamente cultuada no duro realismo da anti-solidariedade.

Quem pode fechar a porta e negar ao homem e – especialmente – ao poeta o direito de bramir a conquista da liberdade e de expor, enquanto sente, a miséria da condição humana sempre esbulhada?

Lição de humanidade, Poemas Diabólicos… mostra um Franklin Jorge maduro e consciente na sua contenção verbal.

*Publicado originalmente no suplemento “Livro” do Jornal do Brasil, sd. Rio de Janeiro.Transcrito posteriormente no Jornal da Manhã [Recife – 1982)].