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A fantástica fábrica de estamina de Mario del Monaco

O tenor dramático italiano em uma execução de uma cena wagneriana.

*Alexsandro Alves

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À medida em que descobrimos a ópera, certas percepções auditivas são despertadas. Essa educação se dar com o tempo e não é inteiramente voluntária, simplesmente vai acontecendo. O nosso ouvido se habitua com determinadas entonações, com determinados modos de enunciação de certa linha melódica em uma ária ou cena, aos poucos, o ouvido se torna uma espécie de crítico, capaz de diferenciar os motivos que tornam uma Casta Diva executava por Maria Callas diferente da de uma executada por Montserrat Caballé, por exemplo.

Eu eduquei meu ouvido, ou ele foi educado, como disse, esse processo não é inteiramente voluntário, ouvindo sobretudo Wagner. A escuta desse compositor me familiarizou com seus intérpretes e com a maneira específica de cantar Wagner.

Ainda que haja, ao longo do tempo, diferenças no canto de um wagneriano para outro, há fatores que são, digamos, imutáveis e que podem ser avaliados em comparação direta em uma audição.

Essa semana ouvi Ein Schwert verhiess mir der Vater cantada por Mario del Monaco, um tenor dramático italiano que se aventurou, onde foi possível, em alguns papéis de Wagner. Essa cena em especial era muito interpretada por ele. É o início da III cena do ato I da Valquíria.

Siegmund, sozinho na casa de Hunding, sabe que ao amanhecer será assassinado pelo dono da casa e lembra da espada que seu pai lhe prometeu antes de deixá-lo, muito tempo atrás: Ein Schwert verhiess mir der Vater (Uma espada me prometeu o pai).

O início da música é sombrio e tenso. Os violoncelos sussurram um  motivo sinistro (0:01) enquanto os tímpanos lembram o motivo de Hunding (0:15) e o trompete baixo, o da Espada (01:08). A tensão crescente leva à primeira linha de Siegmund: Ein Schwert verhiess mir der Vater (01:31) . Esse ataque desesperado aos pouco cede ao apelo mais romântico de ein Weib sah ich, wonnig und hehr (Uma mulher adorável e nobre, 02:12), em que o personagem também lembra que Sieglinde, a mulher de quem fala está im Zwange hält sie der Mann (mantida sob coação pelo marido, 02:57), tomado do mais intenso desespero, ele grita o nome de seu pai, exigindo em seguida o cumprimento da promessa: Wälse! Wälse! Wo ist dein Schwert? (Velse, Velse, onde está tua espada? 03:14 e o segundo Velse a partir de 03:28). É quando um raio, partindo da lareira, ilumina o tronco de uma árvore, revelando, com o trompete banhando nossos ouvidos com o brilho do motivo da Espada, a arma paterna. No entanto, Siegmund não consegue ver a espada e enquanto seu coração bate sombrio, sua lembrança recai sobre o sofrimento doméstico de Sieglinde. Del Monaco canta essa cena como um tenor italiano. Sua ênfase é no canto acima de tudo. A voz dele, potente como um tornado, brilhante como batidas de martelo, é capaz de sustentar o peso exigido por mais tempo do que o habitual. Seu Wälse! se prolonga por momentos intermináveis como a subida de um foguete para despencar em Wo ist dein Schwert? (03:43)  ainda mantendo a resistência sobre-humana e a estamina explodindo como dinamite!

Isso sem dúvida causa um grande efeito, sobretudo nos nossos ouvidos, que parecem não acreditar em tamanha demonstração de resistência, as marcações de tempo no parágrafo anterior são do vídeo abaixo, com del Monaco:

 

 

No entanto, a sutileza de certas passagens é posta de lado, sobretudo nos momentos finais, quando o tenor precisa esquecer o brilho inerente a sua voz e cantar mais baritonal. Del Monaco também não se preocupa muito com a enunciação correta do alemão. Disso resulta uma enunciação que parece atropelar notas e sílabas uma após outra.

Mas que mantém seu magnetismo, isso é verdade!