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A Farsa da Melhor idade

Glamurizados pela indústria de olho em uma fatia de idosos ricos e abonados, a velhice é um mercado que alimenta gananciosos.

*Nadja Lira

Depois de perder alguns amigos muito queridos na casa dos 50 ou 60 anos de anos de idade passei a pensar na velhice. E esse pensamento se acentua a cada vez que uma criança na rua me chama de tia ou quando chego a algum dos estacionamentos da cidade e percebo que existem muito mais vagas reservadas para os idosos. Confesso que meu primeiro pensamento foi o de que os idosos estavam fazendo mais compras. Depois caí na real. Nossa população está mesmo envelhecendo e vários sinais comprovam esta verdade.

A primeira delas é verificada nos bancos, casas lotéricas, supermercados, enfim, nos lugares onde existem filas ou atendimentos especiais, a quantidade de pessoas está cada vez maior. Depois passamos a perceber que nossos filhos, netos, sobrinhos e afilhados já estão adultos. Alguns concluindo cursos universitários, mestrados, doutorados, enquanto outros estão se casando, se tornando pais e até avôs.

Assim, percebemos que já não podemos disfarçar as rugas que começam a sulcar nossos rostos e já não temos mais como disfarçar os cabelos que teimam em embranquecer. Estamos envelhecendo porque é este o processo natural da vida: nascemos, envelhecemos e morremos.

O que não compreendo é porque chamar esse processo de envelhecimento de “melhor idade”. Melhor para quem, cara pálida, uma vez que tudo é difícil para o idoso neste meu Brasil lindo e trigueiro? É inegável que a velhice traz consigo uma carga de reconhecida experiência, mas esta vai ser aplicada aonde? Toda a experiência acumulada serve para quê?

Tudo fica muito mais difícil para as pessoas que alcançam esta fase a qual muitos consideram como “melhor idade”. É justamente nesse período de nossas vidas que começam as surgir as doenças decorrentes da idade; é quando se começa a engordar e perder os quilos adquiridos contra a nossa vontade se torna quase impossível.

Quando se comemora a entrada nesta chamada “melhor idade”, as pessoas passam a se tornar invisíveis para alguns. Motoristas de ônibus, por exemplo, parecem que jamais irão envelhecer já que, a maioria considera idosos como seres completamente invisíveis, visto que dificilmente param nos pontos para pegá-los. Estudantes também não reconhecem os idosos. Especialmente dentro dos ônibus lotados, quando ocupam as cadeiras destinadas a esta faixa etária. Chega a ser vergonhosa, a forma como estudantes desrespeitam os idosos dentro dos transportes coletivos.

O processo de envelhecimento é inevitável na vida de todo ser humano, mas nesse meu Brasil varonil ninguém é preparado para respeitar os mais velhos. Especialmente os políticos, que tornam cada vez mais difícil o caminho para a aposentadoria de pessoas que já trabalharam além de suas forças, para carregar, em muitos casos, a família e o Estado em suas costas.

Nos países considerados de primeiro mundo, os idosos são respeitados, recebem suas aposentadorias sem muita burocracia e quando chegam nessa etapa de suas vidas, compram um iate e vão viajar pelo mundo. Os idosos que conseguem se aposentar no Brasil, continuam procurando outra ocupação, porque o salário que recebem a título de aposentadoria, mal dá para a compra de medicamentos.

Afinal, a saúde pública no País não funciona. Feliz daquele que conseguiu pagar um plano de saúde ainda jovem. Quem não conseguiu, prepara-se para morrer lentamente, uma vez que depois de completar 50 anos fica impraticável pagar-se um plano de saúde no Brasil. Para os brasileiros de modo geral é como se ninguém pagasse impostos para ter direito aos serviços essenciais, como saúde, educação, segurança e transporte. Tudo é pago em duplicidade comprovando a inércia do governo.

Sobre a velhice o filósofo Cícero fez o seguinte comentário: os velhos inteligentes, agradáveis e divertidos suportam facilmente a idade, ao passo que a acrimônia, o temperamento triste e a rabugice são deploráveis em qualquer idade. Simone de Beauvoir no seu livro A Velhice (1970), afirmou: o idoso é uma espécie de objeto incômodo, inútil, e quase tudo que se deseja é poder tratá-lo com desprezo.

Tratar o idoso como um ser desprezível, parece ser o aprendizado repassado para a maior parte dos jovens da atualidade. É como se eles tivessem descoberto o elixir da juventude e serão jovens por toda a eternidade. É uma lástima! E por essas e outras que vejo a chamada “melhor idade” como uma grandessíssima farsa.

Nadja Lira – Jornalista • Pedagoga • Filósofa.

a velhice por Pietr Bruegel