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A ficção enquanto jogo

Borges inverte Flaubert, sua ficção não é a realidade, mas sim, uma realidade “contaminada pela ficção”.

*Ricardo Piglia

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Talvez o maior ensinamento de Borges seja que a certeza de que a ficção não depende apenas de quem a constrói, mas também de quem a lê. A ficção também é uma posição do intérprete. Nem tudo é ficção (Borges não é Derrida, não é Paul de Man), mas tudo pode ser lido como ficção. O que é Borgesiano (se é que isso existe) é a capacidade de ler tudo como ficção e de acreditar no seu poder. A ficção como teoria da leitura.

Podemos ler a filosofia como literatura fantástica, diz Borges, ou seja, podemos transformá-la em ficção através de um deslocamento e erro deliberado, efeito produzido no próprio ato de ler.

Podemos ler a Enciclopédia Britânica como ficção e estaremos no mundo de Tlön. A apócrifa Enciclopédia Britânica de Tlön é a descrição de um universo alternativo que emerge da própria leitura.

Em suma, o mundo de Tlön é um hrönir de Borges: a ilusão de um universo criado pela leitura e que dela depende. Há uma certa inversão do Bovarismo, sempre implícita nos seus textos. A ficção não é lida como mais real que a realidade, a realidade é lida como perturbada e contaminada pela ficção.

 

Ricardo Piglia
O último leitor