*Alexsandro Alves
Dentre tantas cenas inesquecíveis no filme “Amadeus”, de Milos Forman, algumas são inesquecíveis por um certo estranhamento que nos causam. Por exemplo, quando o compositor se abaixa tanto para cumprimentar o imperador, que acaba mostrando a bunda e não se incomodando nem um pouco, gargalha do ato.
Vale a pergunta: o compositor deveras tinha tais atitudes? Primeiro, o filme de Forman não é exatamente uma biografia de Mozart. O assunto lá é outro. Segundo, porém, há, sim, alguma verdade histórica no comportamento do compositor conforme mostrado no filme de 1984.
Poucas coisas na história da música causam mais constrangimento do que a linguagem escatológica usada por Mozart em suas cartas. Mozart era, sim, incrivelmente escatológico. Mas precisamos entender essa questão não com a visão bem-comportada dos nossos dias, que não toleram peidos e nem conversas sobre “merda”, precisamos entender a fixação anal de Mozart dentro de seu tempo, pois certos espaços nas cortes dos séculos XVIII permitiam tais brincadeiras.
As cartas de Mozart endereçadas para o pai, sobretudo, estão repletas de termos como “merda”, “cu”, “enfiar o dedo e cheirar”. O mais impressionante nisso é que, por seu lado, Leopold Mozart respondia ao filho se não com igual fixação, mas com aprovação velada, pois ria muito dessas atitudes dele.
Nas cartas que endereça para a esposa a situação fica, aos olhos de hoje, ainda mais desconcertante porque ela responde com o mesmo despudor anal: eram almas gêmeas, nesse aspecto.
Em seu livro, “Mozart: sociologia de um gênio”, o sociólogo Norbert Elias observa que o uso de escatologias verbais era algo corriqueiro em determinados círculos na sociedade da corte do século XVIII, e na Alemanha só veio a ser malvista na passagem para a era industrial (a Alemanha foi um dos últimos territórios europeus a entrar na era industrial, isso deveu-se também ao tardio processo de unificação, apenas ocorrido em 1876, com a vitória sobre a França na Guerra Franco-Prussiana).
Li algumas dessas cartas no início dos anos 1990, em um velho e surrado volume de cartas de músicos que encontrei em uma banca de jornal em Mossoró, e depois encontrei uma edição ampliada na Zila Mamede. De fato, ao passar os dedos para mudar de páginas, até cheirava para ter certeza de que não estavam sujos…
“Schlup, schlep, schmel!”, lembro de palavras assim, sem tradução aparente, que Mozart usava depois das tradicionais “merda”, “cu” e etc., imaginava: “será que é lambendo o dito redondo fedorento“?
Que bichinho danado!