• search
  • Entrar — Criar Conta

A flor e o fruto

Fundador de Navegos evoca sua amizade com José Carlos Cavalcanti Borges [Goiana 1910- Recife 1983], escritor pernambucano que o acolheu paternalmente, no Poço de Panelas, em Casa Forte e o orientou pelos caminhos da arte.

*Franklin Jorge

[email protected]

Conheci e fiz amizade com o médico psiquiatra José Carlos Cavalcanti Borges, após ler as adaptações  que ele fizera para o teatro. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco, escritor e ator atuante no movimento teatral recifense, membro Academia Pernambucana de Letras e do Instituto Joaquim Nabuco, homem de grande cultura, simples e cordial, que me acolheu paternalmente e se dispôs a orientar-me em minhas leituras de autores pernambucanos, como Luís Jardim, hoje completamente esquecido.

Realizou duas grandes adaptações de Dom Casmurro e Casa Grande e Senzala para o teatro, obras que alcançaram grande sucesso nos palcos. Foi a sua adaptação teatral do romance de Machado que despertou o meu entusiasmo, em seguida ampliado pela peça extraída da obra freyriana.

Visitava-o, naqueles anos finais de 1960 e começos de 1970 em sua velha casa senhorial  em Casa Forte, num enclave conhecido como no Poço da Panela, onde vivia e recebia cordialmente seus amigos e adventícios, como eu, que buscavam desfrutar um pouco de seu conhecimento e cultura admiráveis. Espirituoso e jovial, era um homem alto que se comprazia em conversar com os moços de talento, como dizia-me.

Agradava-me Passear em sua companhia entre túmulos e mausoléus do Cemitério de Santo Amaro, construída em 1851 pelo Governador Francisco do Rego Barros segundo projeto do engenheiro  José Mamede Alves Ferreira, local silencioso e aprazível onde podíamos conversar sobre Machado de Assis, Bandeira, Hermilo Borba Filho, Rosa e Silva, o filósofo Manoel Arão, muitos outros,  e sobre os infortúnios que perseguem o talento genuíno, sempre alvo predileto dos medíocres  que, não podendo exprimir em palavras seus pensamentos e a capacidade de sentir, criam obstáculos para quem traduzir em uma forma original a caudal da sensibilidade que se torna sem serventia quanto falta o talento.

Ouvia-o, atentamente, caminhando à sua sombra, entre os mortos que fizeram a história de Pernambuco, como Anayde Beiriz, a poetisa paraibana que motivara o assassinato do Presidente João Pessoa, o Cardeal Arcoverde, o General Abreu e Lima, companheiro de Simão Bolivar nas lutas de libertação da América do jugo espanhol, por ser maçom teve o seu sepultamento negado pelo Bispo Cardoso, todo um universo de personagens que em algum momento se projetaram em Pernambuco e fizeram História.

José Carlos, médico psiquiatra, psicólogo, ator, apesar de minha pouca idade proibiu-me de chama-lo de Doutor, anteviu para mim um futuro consagrado ao exercício das Letras. Impressionava-o minha ambição literária e a bagagem que, referendava, ainda no começo da vida, conseguira acumular sob a orientação de minha avó. Mas, advertiu-me, jamais chegará parte alguma se ao seu talento e cultura adquirida não acrescentar um tanto de vaidade. Para a projeção a vaidade tem mais forças do que o talento. Neste mundo, para alcançar o sucesso, apenas um pouco de talento, alguma cultura e muita vaidade se fazem necessários ao êxito.  Você é modesto, dizia, para arreliar-me…