*Alexsandro Alves
Desde suas primeiras falas na “Ilíada” que nutri apreço por ele. Aquiles, filho de Peleu e Tétis, a nereida descendente da titânide Tétis, é o principal herói da obra de Homero. Quando jovem, um oráculo profetizou que a Guerra de Troia só poderia ser ganha pelos gregos caso o rapaz lutasse ao seu lado. Temerosa, Tétis o exila em Ciros, onde ele vive disfarçado de moça. Com a chegada da guerra, os gregos ficam sabendo que Aquiles está em Ciro e resolvem buscá-lo.
Porém não o encontram. Quando estão já decididos de irem embora sem o herói, notam umas moças dançando no bosque e resolvem raptá-las. Elas fogem, menos Aquiles. Este, despindo-se de suas vestes femininas, saca sua espada e, nu, arremessa-se contra os gregos. Quando eles percebem que é Aquiles, pedem trégua e revelam-lhe a profecia. E assim, o jovem peleu é colocado no centro do maior conflito grego, onde receberá sua glória apoteótica.
Durante a guerra, Aquiles se sente traído por Agamenon, e a abandona. Mas presenteia seu amigo Pátroclo com sua armadura. Acontecem muitas batalhas até que ele volte. E seu retorno só se dá quando fica sabendo da morte de Pátroclo pelas mãos de Heitor. O troiano, ao matar o amigo de Aquiles, imaginou ser o próprio peleu que matara, por conta da armadura. É nesse ponto que constatamos o quão Heitor, o maior herói troiano, é fraco. Ele derrota Pátroclo com a ajuda descabida dos deuses.
Na Ilíada, os deuses olímpicos estão divididos: pelos gregos: Hera, Atena, Poseidon, Hefesto; pelos troianos: Apolo, Afrodite, Ares, Ártemis, Leto; Zeus e Hades optaram pela neutralidade. Apolo surge na batalha e, invisível aos olhos humanos, pouco a pouco, vai retirando a armadura de Pátroclo, deixando-o nu e à mercê dos golpes de Heitor. Ao saber da morte do amigo, Aquiles retorna e mata Heitor, humilhando toda a Troia.
Porque Heitor, quando vê a chegada de Aquiles, foge. O peleu o persegue e toda a cidade de Troia, nas ruas, vê seu herói em fuga, com Aquiles atrás dele. Eles dão quatro voltas na cidade, três completas, mas na quarta, Aquiles consegue agarrar Heitor. E, sem ajuda de deus ou deusa algum, desfere um golpe fatal no pescoço do troiano, que tomba vergonhosamente ante seu povo.
Não satisfeito, pois lhe consome a saudade do amigo, Aquiles amarra o corpo do príncipe troiano a sua biga e o arrasta pelas ruas de Troia. O corpo é de tal forma vilipendiado, que a violência do ato assombra o Olimpo. Os deuses então lançam uma magia em direção ao corpo do príncipe, para que o mesmo seja preservado da ira de Aquiles.
Heitor é o primogênito do rei Príamo e da rainha Hécuba. Quando aquele sabe da morte do filho pelas mãos do peleu, há um profundo lamento. Mas antes, o próprio rei de Troia lamenta a vileza de seus filhos. São ladrões conhecidos em toda a Troia. Roubam o povo. Suas ovelhas. Seus mantimentos. Suas mulheres. Não foi, afinal, assim que a guerra teve início: Páris, irmão de Heitor, raptou a rainha de Esparta, Helena, esposa do rei Menelau? Todavia, o lamento do rei, enquanto pai, é uma das partes mais avassaladoras da Ilíada. Talvez a reputação que Heitor tenha provenha desse lamento, porque durante o livro, há poucos grandes momentos dele. Há a cena com a sua esposa Andrômaca e seu filho, Astiánax, ainda bebê, nos braços da mãe, em que podemos mesmo ter muita simpatia por ele, pois percebemos sua índole menos beligerante e seu apreço a sua família: o seu bebê chora quando o elmo do pai brilha, este imediatamente retira-o da cabeça e, tomando o filho nos braços, roga a Zeus que ele tenha mais glórias do que o pai.
Porém, na guerra, sua fama não se justifica; aliás, Páris, seu irmão, também fugiu de Menelau. Imagino que a má fama de Aquiles seja por conta do cristianismo, pela violência desmedida e implacável que caracteriza o filho de Tétis. Com a derrota de todos os mitos originários pela espada católica, houve uma reinterpretação que realocou a herança mítica desses heróis. Sendo assim, Aquiles, por sua ira, está no Inferno, segundo Dante (Canto V).
No entanto, o filho de Peleu e de Tétis, em sua glória original, grega, surge como um dos maiores e dignos heróis míticos. Justo, em sua peleja ideológica contra Agamenon; irrepreensível, em sua dor pela perda da amizade de Pátroclo; poético, em suas falas com Tétis.