Luís da Câmara Cascudo
Depois da lei de 13 de maio de 1888, libertando os escravos, os monarquistas no Rio de Janeiro lançaram a idéia da criação da Guarda Negra, formada pelos ex-cativos para defesa do trono e reação à propaganda republicana. Não apenas pretos fizeram parte da Guarda Negra, mas quantos desejavam significar à Princesa D. Izabel admiração ou espírito de cortesia. Os promotores da Guarda Negra procuraram interessar todas as Províncias no movimento, determinando a fundação de clubes nas capitais.
Natal possuiu a Guarda Negra, solenemente instalada, mas de proveito ignorado.
A sede era na Rua Voluntários da Pátria (Beco Novo) no. 4. A festa inaugurativa se realizou no domingo, 10 de fevereiro de 1889, ao meio-dia, com girândolas de foguetões, abundância de promessas, discursos estrondosos e comparecimento avultado. Aproveitando o dia, os idealizadores da Guarda Negra juntaram muitos ex-escravos. Alguns políticos conhecidos, todos do Partido Conservador, estiveram presentes e alguns assinaram a ata da instalação, participando da diretoria. A “Gazeta do Natal”, semanário saquarema, em seu no. 2-2-89 anunciava:
“GUARDA NEGRA. Esta briosa, patriótica e ativa associação, amante da ordem e das instituições do País, sempre ao lado dos pacíficos e bons cidadãos, e da autoridade legalmente constituída, reunir-se-ha, domingo, em casa para isso devidamente preparada, e que será destinguida pela Bandeira Imperial içada à porta de entrada. Haverá música, à recepção de cada um dos ilustres membros defensores da Pátria.”
A sociedade tomou a denominação de CLUB DA GUARDA NEGRA. Alistou cerca de quinhentas pessoas e, encerrada a sessão, percorreram a Cidade em passeata, com foguete e música, vivas e palmas. A diretoria do Clube da Guarda Negra era assim composta: Malaquias Maciel Pinheiro, Presidente, Antônio José Coêlho, Vice, Samuel Martins Caldas e Frederico Teodoro de Souza, 1º e 2º Secretários, Manuel Peregrino do Nascimento, Orador. O Clube teria três comissões. A Comissão Executiva pertencia aos Srs. Anselmo Pinheiro da Câmara, João Avelino dos Santos, Manuel Roberto de Oliveira, Bernardo Gomes da Silva e Francisco Olimpio Xavier. A de Sindicância figuram os Srs. Joaquim Cotoso, Henrique José de Santana, Luiz José Ramos, Francisco José de Santana Bumbum, Felix Isac do Nascimento. A Comissão de Prontidão era constituída dos Srs. Joaquim Francisco de Paula, Joaquim Maciel Pinheiro, João Gomes da Costa, José Inácio da Silva, José Carlos Pequeno e José Miguel da Silva.
Fiéis à coroa imperial vários conservadores figuravam na primeira linha. Foram, entre outros, capitão José Antônio de Souza Caldas, Felipe J. B. Aranha, José Agostinho de Melo, Julião Bento de Costa, Plácido A. Pinheiro da Câmara, Francisco Herculano Álvares da Silva, José Lucas da Costa Sobrinho, José Carlos de Souza Caldas, Caetano José Pereira Solsona, B. A. Simonetti, Antônio Elias, Ivo Cavalcanti, etc.
O que houve de mais original foi a espirituosa maneira com que assinaram, a rogo naturalmente, o nome de dezenas de escravos cidadãos. Cada um ostentava apelido referente a um republicano norte riograndense em evidência ou prócer nacional da campanha. O Partido Republicano se fundara a 27 de janeiro do mesmo ano, em Natal. As alusões aos republicanos locais são interessantes e escondem, para mim, indicações de fatos comentados na época.
Aqui deixo uma relação desses nomes que figuraram na ata: – Manuel José de Pedro Velho, José Atestado de Paulino Andrade, João Pestana das Estivas Rangel, João Guimarães da Silva Goianinha, Manuel Augusto Severo da Penha, João Juvêncio Tacino de Bicho Feroz, Antônio do Tição Minerva, Joaquim Honório de Honra e Glória, João Espiridião Martins Junior, Jorge O’Grady Lopes Trovão, Napoleão Renegado da Fé, Hermógenes Bastilha Trovão, José Hermógenes Bocaiúva, Pedro Mônaco de Clara Tributo, Heronides Macaca, Francisco Gomes Patacho da Ronha, Manuel Onofre da Tramóia Pinheiro, Francisco M. da Cunha Pau, etc., etc.
O jornalzinho “CURISCO”, de alfineteante memória, noticiou, com gabos extensos, a fundação da GUARDA NEGRA, elogiando a patriótica finalidade. Era, realmente digna de encômio senão a deturpassem no Rio de Janeiro, assoldadando capoeiras e navalhistas, veteranos dos prontuários policiais, para membros ativos, ao lado dos ex-escravos, merecedores de melhor companhia.
Em Natal a Guarda Negra não fez, que me conste, coisa alguma…
A República, Natal, Quarta-Feira, 24 de julho de 1940.
Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO