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A “hollywoodinização” da ópera

Alexsandro Alves, escritor e professor, escreve sobre algumas peculiaridades que estão invadindo o mundo operístico e impondo uma agenda estranha que vem transformando a relação profissional dos seus agentes.

*Alexsandro Alves

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Já não se faz ópera como antigamente.

Quando ainda neófito nesse meio, aos 17 anos, eu ouvia os vinis com cantores do porte de Kirsten Flagstadt, Astrid Varnay, Birgit Nilsson, Lauritz Melchior, Friedrich Schorr ou Wolfgang Windgassen; com o passar dos anos, vieram: Gwyneth Jones, Waltraud Meier, Jessye Norman, Siegfried Jerusalem e, claro, afinal, não sou nenhum esnobe, e está escrito em algum lugar nas Sagradas Escrituras nem só de Wagner viverá o homem… os bons e tradicionais italianos, com seus admiráveis dós de peito inconfundíveis e arrebatadores, os três tenores, dois deles espanhóis, Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras; também, Maria Callas, Renata Tebaldi, Montserrat Caballé, Teresa Berganza, Luigi Alva!

Eram outros tempos.

Eu não desejo escrever sobre a voz dos atuais cantores, isso pode ficar para um próximo artigo.

Minha preocupação nesse é: no que transformaram a ópera?

Esses cantores supracitados são senhores e senhoras que convenciam pelo canto. Sua arte era a de cantar. Com todas as diferenças e nuances que existem entre o canto italiano e o canto wagneriano, todos eles tinham como principal atrativo unicamente a sua voz.

Era com a voz que dobravam a resistência da audiência.

Hoje, não.

Modernamente há cobranças que ultrapassam e muito os limites puramente vocais.

Há uma cobrança exagerada pela performance de palco e pela aparência física.

A soprano Jane Eagle teve problemas em um Tristan und Isolde por ser obesa.

Onde se viu isso na ópera? Quem um dia se importou com a quantidade de gordura de um intérprete?

O tenor Endrik Wottrich, que aos poucos ganhava espaço como cantor de Wagner em Bayreuth, morreu repentinamente de um ataque cardíaco. Nos bastidores desse falecimento, nada oficial, mas comenta-se o uso de substâncias tanto para manter o físico quanto para manter a rotina de trabalho.

Rolando Villazón foi acometido de forte depressão que o obrigou a se retirar dos palcos e do disco várias vezes. Voltou recentemente e é um dos idealizadores do Popstar to Operastar, um reality show que pretende transformar artistas do pop em artistas de ópera. Isso é um dos sintomas nesse quadro.

Isso e outros fatores têm levado à diminuição da longevidade vocal dos intérpretes.

Eva-Maria Westbroek, soprano, em concerto pelo 200º aniversário de Wagner, em Bayreuth (2013), já mostrava sinais de cansaço na voz: tremolos e vibratos inadequados tornaram sua performance, em um momento tão importante, muito aquém do que deveria ter sido.

Naquele ano, 2013, Westbroek não tinha 20 anos de carreira! Sua estreia foi em 1994, e já em 2013, com apenas 43 anos de idade – nasceu em 1970, sua voz já apresentava sinais de fadiga. Até certo ponto tem conseguido se recuperar. Sua apresentação na série de concertos Europakonzert, em 2018, também em Bayreuth – desta vez não na Casa dos Festivais, e sim na Ópera Margravial –, mostrou-a com a voz mais educada e agradável.

Essa hollywoodnização vem ocorrendo não apenas na ópera, mas na música erudita em geral.

 

Elina Garanca como Carmen
Photo: Ken Howard/Metropolitan Opera