*Franci Fernandes – Escritora.
Ainda perdurava no ar o cheiro da chuva noturna quando recebi no Encanto uma visita rara.
Num primeiro momento, fiquei sem jeito, tentando lembrar de onde conhecia aquele homem franzino, de olhar profundo e expressão de monge, que talvez ele nem saiba que tem.
Só depois que ele se apresentou como jornalista em atividade, foi que me dei conta que estava falando com Franklin Jorge, e que numa dessas curvas do destino, há alguns anos atrás, a gente havia se encontrado.
Logo brotou em mim a sensação de que somos transeuntes de um espaço muito pequeno.
Vida. É a palavra que define melhor o que brota do meu encontro com essas almas susceptíveis, que se portam como o arco-íris, espalhando luzes por onde passam. Como Franklin Jorge.
Guardei com carinho a sua gostosa e rápida gargalhada, sinal de que esteve à vontade em minha casa, comendo aquele delicioso milho verde servido pela minha mãe.
Não sei se costuma rir com tamanha satisfação. A verdade é que gostei e pude fazer naquele instante uma doce associação de vida, de exultação incontida – nós com ele formando um transbordado vital. Universal.
Acredito que a arte seja o ab ovo da sensibilidade humana, isto é, o momento inicial. Ouso dizer que, quando os amantes da arte se encontram, essa apoteose se repete em algum ponto deste planeta movido por imperativos político-econômicos, operando em nós um secreto fenômeno de participação, visto que somos como essa natureza – um só conjunto associado de vida.
Franklin gosta das coisas da inteligência. Está preso a esse algo que pugna por exprimir-se. Em qualquer tempo, será difícil adjetivá-lo. Quando critica, não proíbe; pelo contrário, oferece pontos de partida…
O nosso encontro foi acalorado sim. Coloquei-me mais à escuta, o meu pai contando a origem legendária do nosso Encanto e a minha mãe do outro lado lhe refrescando a memória, para que nada fosse omitido.
A visita especial daquele manhã de maio realmente me fez emergir e me deixou saudades, porque também sinto falta dessa totalidade de manifestações artísticas que, por fazer parte dessa pequena comunidade do Encanto, em mim ficam muitas vezes confinadas a uma angústia irreparadora. Não há, aqui, espaço para as excentricidades.
Um dia desses o descobri mais velho e mais pessimista. É essa contradição que me fascina: a inteligência com que ele transforma as coisas, os sentimentos.
Estonteia-me o seu vasto e rico universo, onde a tragédia e a beleza são concomitantes, e, o mais incrível, é que parecem viver num interminável duelo. É dessa sua desordem tão pessoal que nasce a estrela.
Acredito que seria mais fácil entender o idioma das águas, o grito das ventanias nômades, a beleza furiosa dos raios, a sedução das brisas, a altivez do sol, que mensurar essa manifestação vulcânica que há nele.