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A Importância de Ser Oscar Wilde

Alexsandro Alves, escritor e professor, escreve sobre as alegrias de um observador contumaz sempre às voltas com pessoas e lugares, personagens involuntários de uma aventura diária, para compor mundos em seu deleite criativo

*Alexsandro Alves

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Se tem algo que gosto é sentar e observar. Quem escreve sabe. Nós, “os entendidos”, formamos uma confraria silenciosa, que busca no acaso a argila para nossos alvos. Mas nós não sabemos nem onde nem quando, por isso a escrita é o exercício do coração calmo, que nada espera. Um jaguar silencioso da selva urbana que come sua vítima à distância, sem sequer lhe tocar.

Colocamos nossa jangada ao mar e sentamos, horas a fio, tomamos um café, depois outro, e mais outro, enquanto pessoas adormecidas passam para lá e para cá. Essa solidão de observar para escrever, várias linhas e parágrafos caminhando ante nossos olhos, enquanto esperamos que o Espírito coloque sua pena em nossas mãos.

É o sorriso. Quando você rir, já sabe. Está acontecendo.

Dia desses, como rotineiramente, saí de casa mais cedo para o trabalho. Eu gosto de sair bem mais cedo por muitos motivos. Mas o principal deles é a caça. Como ensino em três escolas, a selva é sempre diferente, a depender do dia. Nesse dia eu estava no Super Fácil, aquele próximo à rodoviária. Na praça de alimentação, há um restaurante de um lado e um quiosque de sorvetes “Sterbom” do outro, separados por mesas e cadeiras. Sentei-me próximo ao balcão do restaurante e esperei.

Aquele escritor interior fofoqueiro se espreguiçava enquanto eu ouvia não sei que música no celular.

Então, ei-lo! Ou melhor, ei-los. Um casal de namorados descendo os degraus que dão para uma academia no primeiro andar. Tão lindos. Exagerados, mas bonitos. Esses músculos brilhantes de “whey protein” de fato não me agradam. De imediato, o ser que se espreguiçava interiormente jogou holofotes sobre o casal. Este, sentara-se próximo ao quiosque. Discretamente levantei-me e sentei-me ao lado deles. Para ouvir.

Ela olhava muito para ele, mas ele preferia o celular. Não falaram nada. Apenas pediram algo e comeram. Mas a “conversa” é agora. Está vendo? Nós não sabemos nem onde nem quando.

Ele pegava no talher fazendo pose! As pernas dele estavam muito fechadas, sufocando aquele que já estava sem espaço devido à crueldade apertada da roupa. E a outra mão! Esta, ele repousara sobre o desfalecido. Notei que ele não encarava aquela que pensei ser sua namorada.

Ao levantarem-se para irem embora, levantei-me também. No caixa, ela pegou uns chocolates. Foi aí que ele falou, estridente, chamando atenção.

“Meu docinho de coco, você quer um chocolate? Eu compro tudo o que você quiser. Quer uma viagem para Paris?”

Eu e o caixa nos olhamos. Éramos três. “Para Paris!”, ele disse… Para bem longe, quis dizer. Ela nada disse, será que entendeu? Será que ouviu o espírito da proposta? Eu não sei.. Quando saíram, ela atrás, sempre. Os segui com o olhar até o carro deles. Ela atrás, cabisbaixa, ele falando qualquer agora inaudível.

E novamente, cúmplice do caixa, que ria muito, pensei em Wilde. Uma cena cômica e triste ao mesmo tempo.

“As mulheres veem tudo, menos o óbvio”.

 

Vai pra Paris, docinho de coco…

Esse Oscar…