• search
  • Entrar — Criar Conta

A interseccionalidade na miséria da educação em Fátima Bezerra

Como as políticas degradantes de desvalorização do magistério impostas pela governadora Fátima Bezerra impactam sobretudo a vida de mulheres negras.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

A interseccionalidade é um conceito criado pela estadunidense Kimberlé Crenshaw. O conceito busca explicar como fatores sociais, políticos, econômicos, educacionais e estéticos se intercruzam para marginalizar ou exaltar determinada etnia ou povo, sendo, portanto, uma arma teórica na luta política antirracista.

O Rio Grande do Norte é governado pela petista Fátima Bezerra: mulher, negra, oriunda da periferia e LGBT. Ela possui, portanto, muitas interseccionalidades que podem exaltar sua vitória política, de uma moça periférica e marginalizada, ao maior cargo do Executivo estadual. A luta de Fátima Bezerra é antiga e se iniciou na pobreza, no chão de escolas sucateadas.

A esperança em torno dela, por parte de cidadãos que com ela compartilham uma herança social de descasos políticos, sempre foi muito grande. Ela representava a vitória de uma classe, de uma categoria ou de várias categorias, invisibilizadas no status quo da política brasileira: sua ascensão seria uma ascensão coletiva!

Mas a esperança cedeu lugar a uma constatação já conhecida: quando o oprimido ascende, ele não leva junto sua categoria, seu coletivo, ele ascende só! O oprimido agora se sente opressor e age, interseccionalmente, dentro de parâmetros de raça, gênero e classe, contra quem lhe eram semelhantes, contra aqueles que compartilhavam consigo, outrora, as mesmas necessidades.

Vejamos. No Brasil, por gênero, temos esses dados no que se referem à educação:

  • No ensino fundamental, 77,5% dos docentes são mulheres
  • Na educação infantil, 97,2% das creches e 94,2% das pré-escolas são formadas por mulheres
  • No ensino médio, 57,5% dos docentes são mulheres

Em outras palavras, o magistério brasileiro é predominantemente feminino. Também se constata que, no Ensino Fundamental, a maioria dessas mulheres são negras e oriundas das classes C e D. O magistério brasileiro é uma carreira feminina, negra e periférica em sua maioria.

Já o judiciário brasileiro, e isso também o judiciário potiguar, é predominantemente masculino, branco e oriundo das classe A e B, com muitos de seus membros de famílias tradicionais e oligárquicas do estado. É uma categoria de elite. A segurança é formada por, majoritariamente, homens (mestiços, brancos e negros), das classes B, C e D, dependendo da função ou cargo que ocupam, mas com possibilidades de ascensão: um soldado raso pode chegar a coronel, ao menos em tese.

Agora, façamos uma pergunta: qual dessas categorias, de fato, deveria ser a mais privilegiada pela governadora? Ora, o magistério! Que é composto por mulheres negras, periféricas! Assim como Fátima Bezerra em seu início de luta política que, aliás, começou na sala de aula, ela também é professora.

Mas não é isso o que ocorre! Na prática, essa governadora tem sido a mais cruel e desumanizadora para a categoria. Estamos falando aqui de dinheiro, que é o que alavanca a diversidade. A melhor política pública para nós, pobres, é dinheiro e valorização profissional. Não é a vitrine de uma mulher negra no comando do estado. Não é termos uma mulher secretária da educação ou termos muitas mulheres nos cargos de chefia. Isso é só vitrine para o governo.

Recentemente a governadora organizou no Museu da Rampa um festival de mulheres da cultura. Será que isso importa para aquelas mulheres que chegam em casa cansadas, esgotadas, após um dia em sala de aula? Não, não importa. Isso é vitrine e narcisismo. Isso não é política pública de valorização da mulher! Por quê? Porque não impactou na vida da dona de casa, não impactou positivamente no bolso da grande categoria feminina que é o magistério.

Para as categorias masculinas, brancas, elitistas, Fátima Bezerra, mulher, negra, periférica (?), LGBT, deu aumento! O judiciário sempre tem aumentos a cada ano! Uma categoria elitista que nem precisa, mas é só um juiz ou procurador miar mansinho que não pode comprar o peru de Natal, que Fátima Bezerra vem em seu socorro! Não é à toa as prestações de serviço que o judiciário vem executando em benefício do governo e contra o magistério! Tem muita mão amiga por trás.

Também para a segurança, majoritariamente masculina, e historicamente contra os ideais do partido da governadora, se é que ela ainda os tem, os aumentos chegam sem precisar sequer de um tiro de festim. Agora, em fevereiro, os bolsos dos polícias serão abençoados com aumento.

E para o magistério? Para essa categoria feminina e preta, periférica? Nada. Ela está acabando com a carreira.

A crueldade de Fátima Bezerra é uma crueldade de raça, de gênero, de condição econômica. Ela quer enterrar, na vala comum da miséria, a educação. As negativas desse governo, por parte da secretária Maria do Socorro Batista, mulher, são alarmantes. Elas foram tomadas pela branquitude opressora e ecoam o alerta de Paulo Freire: a da oprimida que se torna opressora.

Por que, Fátima Bezerra e Maria do Socorro Batista, vocês nos tratam assim?

A única explicação é interseccional. Historicamente, os cidadãos mais oprimidos são as mulheres pretas periféricas. A não valorização real do magistério é uma continuidade dessa história de opressão. Somos uma categoria que não dispõe de nome oligárquico ou tradicional, nem de armas, como o judiciário e a segurança. Somos os mais miseráveis e podem, quem se dispuser, pisar-nos. É histórico, governadora; é histórico, secretária. Vocês estão amparadas por um sistema histórico racista e opressor. Vocês têm razão. Errados somos nós, a pobreza, em confiar em vós. E espero que a grande maioria não mais confie.

Vocês são capitãs do mato!