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A Justiça dos ‘deuses’

Para que o Estado funcionasse em perfeição e seus cidadãos vivessem em harmonia, o filosofo grego Platão defendeu em seu clássico ‘A República’ que na Polis houvessem três classes: a dos artesãos e agricultores, para provirem à subsistência deles e dos demais, a dos guardiões, que teria o papel de defensores dela, e, por fim, o rei-filósofo, que a governaria – aí incluindo os magistrados –; para colaborador da Navegos, essa última se transformou em “seres superiores” em detrimento das sociedades atuais

Honório de Medeiros

Os fenômenos físicos, sua repetição, o padrão idêntico de suas consequências uma vez presentes nas mesmas causas, quando apreendidos, são expressos através de uma fórmula – uma abstração – em uma linguagem sofisticada, a matemática.

Não precisamos descrever uma mesa para construir sua imagem ante nossos olhos; não é necessário fazê-lo em relação ao ferro que, colocado ao sabor do fogo, torna-se maleável e origina uma espada.

A certeza da inalterabilidade do fenômeno físico corretamente apreendido originou a consciência da causalidade, pelo mecanismo da associação de ideias: não pode haver chuvas sem nuvens. E a expectativa de que todos os fenômenos ocorram da mesma forma, tanto na Grécia quanto no Egito, ontem como hoje, pertence ao mesmo gênero.

Esses fenômenos ocorreriam em virtude da “Justiça” dos deuses, entendida ela como “ordem”, “desígnio”, “determinação”, em um mundo na aurora de sua História.

Mas os deuses precisavam de intérpretes, de intermediários. Assim, foi fácil para os mais espertos fazerem uso da confusão entre um fenômeno físico e um fenômeno que é resultado da vontade do homem, tal qual a proibição de matar, se colocarem como representantes dos deuses na Terra.

Hoje, esses “deuses” foram substituídos por abstrações, como a “vontade do povo”, “moral média da sociedade” e assim por diante. Permanecem os intérpretes e intermediários. Assim como permanecem os inocentes-úteis, aptos a serem manipulados. Ou seja, permanecem os lobos e as ovelhas, como na fábula de Esopo (620 a.C.-564 a.C.).

Obviamente, esse processo atendia ao anseio da elite dirigente, que o havia criado e o acentuava.

Impressiona que se creia em Direito Natural, quando qualquer conhecedor da História do homem pode constatar, ao ler as primeiras compilações de leis escritas da humanidade, que sua existência se deve, única e exclusivamente, à necessidade de impor a ordem dos dirigentes. Desde aqueles tempos que, à elite, cabia criar, interpretar e aplicar a norma jurídica.

Isso sem mencionar o quanto também impressiona não se saber que, na pré-história do direito, apenas a necessidade de sobrevivência originava a imposição de condutas, nunca algo tão abstrato quanto a ideia do “justo”.

A noção desse conceito é uma construção humana, não algo em si mesmo a ser alcançado por seres humanos tais quais os “reis-filósofos” de Platão (428 a.C.-347 a.C.).

Se se acreditar – e é possível que alguém creia – que esse ordenamento jurídico natural estaria à espera da maturidade da humanidade para ser colocado à sua disposição, o que nos conduziria a uma era de bonança e paz inigualável na Terra, bom, também se pode acreditar em Platão e nos seus “reis-filósofos”.

E em Saci Pererê.

Honório de Medeiros, advogado, é mestre em direito de Estado pela UFCE.

ECLÉSIA No período áureo da Grécia Antiga, ou Era de Péricles (século V a.C.), os cidadãos da polis do sexo masculino, com mais de vinte e um anos e que tivessem prestado pelo menos dois anos de serviço militar podiam participar da Assembleia do Povo, que decidia sobre leis e decretos, os quais eram submetidos à aprovação do Conselho – ou Boule –, composto pelos arcontes (magistrados); é a partir desse modelo de democracia que as sociedades ocidentais se organizaram até os dias atuais