*Franklin Jorge
O Panon é uma nesga de terra seca, ondulada e areenta, num taboleiro, que Jorge Antonio descreveu como uma paisagem concisa e mordaz, pontuada de árvores expressionistas aguilhoadas pelo sol assassino. Seu nome, de origem incerta, significaria “pequena onda”.
A partir do Estevão, na terra baixa, o Panon seria para o viajante a última instância entre a várzea fecunda e o taboleiro inóspito, onde por muitos anos viveu a Velha Herculana entre papagaios e corujas, colhendo mel silvestre, catando ervas e gravetos, apurando no fogão de barro milagrosas meizinhas, balbuciando em suas caminhadas pelo deserto um interminável e poderoso salmo que clareava as trevas e ensombrecia a luz.
Salim, magro como uma folha, unia esses dois mundos próximos e distintos, vencendo obstinadamente léguas de piçarra vermelha para vender na cidade o seu carvão de pau-ferro, ainda abundante na mata de juremas e catingueiras, pasto de cabras selvagens e do gado ferrado que comia solto de inverno a verão. Havia ainda a Velha Herculana, curandeira que vivia com o seu gato e seu cachorro caçador à sombra de uma grande árvore cujas folhas eram constituídas por papagaios que pousavam em sua galharia.
O Panon, propriamente, abre-se para a Lagoa das Portas, que alcançamos depois de atravessar o leito empoeirado do rio sazonal que regurgitava no inverno, levando de cambulhada árvores, animais e destroços. Desde que descobriram petróleo nessa terra uma rodovia partiu o antigo povoado em dois. Dia e noite, comboios de carros tanque fazem a terra estremecer.
Desde o princípio era o Panon um remoto e misterioso lugarejo cheio de mitos a que se ia muito raramente, a pé ou a cavalo, à procura dos serviços de algum afamado curandeiro ou de alguém que não aparecia nem dava notícias há muito tempo.
Teria sido muito antigamente o refúgio de negros fugidos ou libertos, dos quais restara uma descendência esquiva, invisível e presente nas conversas vivazes que, na ampla noite sertaneja, animavam nos alpendres a debulha de milho e feijão. A maioria do seu povo sempre viveu nessa despreocupada pobreza.
Nesse mundo agrário e primitivo havia felicidade também, quis dizer-nos Jorge Antonio em algumas obscuras páginas que recuperam e ampliam a sua infância rural remoto, agora acessível apenas pelos trâmites da memória.
Fotos de Elton Dantas