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A lei da arte é a mudança

Em entrevista a Jean-Carrière, escritor de língua francesa reflete sobre a vacuidade  das vanguardas que paralisam, por um momento, a ordem das coisas.

*Julien Gracq

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Surpreendeu-me — escrevi-o há muito tempo — a estranha, a extraordinária série de rupturas que marcam a história da poesia francesa na segunda metade do século XIX, de Hugo a Baudelaire, de Baudelaire a Mallarmé (por um lado), e por outro a Rimbaud e Lautréamont. Em cada uma dessas rupturas, em cada uma dessas revoluções poéticas, a poesia parecia adquirir novos poderes, parecia acumular um plus perceptível.

Acredito que o deslumbramento diante dessa série de abalos sísmicos, que em cada ocasião marcaram uma conquista, está na origem do excepcional prestígio que a ideia de vanguarda conservou na França por décadas.

O surrealismo (ao qual corresponde grande parte da revelação de um dos choques mais recentes: Lautréamont) foi muito marcado por esse impulso abrupto e sempre conquistador: extrapolou essa conquista progressiva, que entendeu à sua maneira, como prolongá-lo e amplificá-lo. Pensemos que durante meio século, por acaso, a evolução da poesia conseguiu dar a sensação de um “progresso”, quase tão evidente como foi ao mesmo tempo, num plano muito diferente, o progresso da ciência. Só que aqui se trata de um fato bastante excepcional na literatura e que o século XX, por exemplo, considerado como um todo (já que está prestes a terminar), não o confirma de forma alguma.

O sentimento predominante no final deste século é o de um retorno à norma, ou seja, a uma literatura cuja lei é a mudança (onde a abandonaram por um lado e onde a anexaram por outro) mais do que o progresso, talvez tenha contribuído para desvalorizar um pouco a ideia de “vanguarda”. Mas, na realidade, em casos desse tipo, o prestígio de uma noção à beira de perder sua legitimidade sobrevive por muito tempo às condições que antes a celebravam.

É preciso dizer, é claro, que a lei de qualquer arte é a mudança, e que tudo o que promove e antecipa essa mudança é mais vivo do que aquilo que se limita a reescrever a literatura de anteontem. o prestígio de uma noção à beira de perder sua legitimidade sobrevive por muito tempo às condições que outrora a celebravam. É preciso dizer, é claro, que a lei de qualquer arte é a mudança, e que tudo o que promove e antecipa essa mudança é mais vivo do que aquilo que se limita a reescrever a literatura de anteontem. o prestígio de uma noção à beira de perder sua legitimidade sobrevive por muito tempo às condições que outrora a celebravam. É preciso dizer, é claro, que a lei de qualquer arte é a mudança, e que tudo o que promove e antecipa essa mudança é mais vivo do que aquilo que se limita a reescrever a literatura de anteontem.

[…]

No que diz respeito à literatura atual, ocorreu um fenômeno de envelhecimento que pode ser preocupante. Normalmente, um escritor, aos setenta e cinco, aos oitenta, não é necessariamente esquecido pelo público, mas em todo caso produz menos, perde o contato com a vida de seu tempo, afasta-se, e está localizado em uma seção pouco ventilada da literatura que está sendo feita naquele momento. Seu tempo passou.

A plenitude da produção literária que é representada por escritores entre trinta e sessenta anos automaticamente o rejeita em um meio-esquecimento respeitoso. Acho que os escritores da minha geração, septuagenários ou octogenários, não se sentem como deveriam, ou sentem muito menos essa impressão de terem sido encurralados, sob a pressão da próxima geração. Um sinal, aparentemente, de que esta geração não cumpriu seu contrato. Ele proporciona a seus ancestrais uma velhice feliz, mas isso não é muito tranquilizador.

Julien Gracq

Entrevista a Jean-Carrière, 1986

Tradução: Manuel Arranz

Editora: Shangrila

Foto: Julien Gracq, CAMERA PRESS