*Francisco Alexsandro Soares Alves
Ultimamente penso bastante na questão da literatura e do marketing, da propaganda. Sabemos que a nossa Academia Brasileira de Letras não é, hoje, o melhor lugar para se buscar bons escritores: Gilberto Gil, Fernanda Montenegro, Paulo Coelho fazem parte do seu quadro. São apenas os nomes mais notórios da baixeza literária que impera no Brasil. A rigor mesmo, essa baixeza é apenas de Paulo Coelho, posto que Gil e Fernanda nem escritores são – ou não se destacaram por serem escritores. Mas por que o Brasil tem um nível tão baixo, hoje, de literatura?
A prova que o Brasil vai mal das ideias é a falta de bons escritores. Gente que se destaque não por nenhuma outra coisa que seja, mas apenas pela literatura. É difícil isso hoje. Em muitos momentos, quando vamos ler uma crítica ou resenha sobre algum livro novo lançado, encontramos tudo, menos valores literários. Há a entronização do gênero, da cor da pele, das origens, da sexualidade. A literatura virou a tribuna política de péssimos escritores. É mais fácil gritar com a política do que sensibilizar com a palavra. O caminho da literatura está além do comum e das lamentações “identitárias” cotidianas. Literatura virou imagem, e sabe aquele ditado: “uma imagem vale mais do que mil palavras”? Porém não fala nem por uma, porque não é a imagem interior que a poesia provoca, é a imagem exterior do próprio escritor ou escritora, a imagem do seu “pertencimento”, que vem antes do que escreveu. E muitas vezes precisa mesmo vir antes, pois o resultado na escrita tem tanto valor literário quanto o valor econômico de uma nota de três reais.
Em vez de se refinar com a literatura, o Brasil se apequenou com a política. O resultado é esse país em que cada vez menos pessoas leem. O Brasil nunca ganhou um Nobel de Literatura. Recentemente eu li que nossos escritores mais conhecidos no exterior são Paulo Coelho e Jorge Amado. De Paulo Coelho não perderei linhas escrevendo sobre ele. Mas nós temos autores melhores do que Jorge Amado. Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, Machado de Assis, Lima Barreto, Clarice Lispector, Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, Zila Mamede. Apenas alguns exemplos.
No entanto, se no próprio país eles são desconhecidos. A base de nossa literatura, os nossos clássicos, hoje precisam se explicar para uma geração de não leitores sobre temas que não faziam parte de suas épocas ou mesmo que não lhe interessavam. Sem falar na frase mágica “os clássicos não dialogam com o presente”. Deixa-me explicar: só é clássico porque sobrevive ao tempo. Porque as inquietações presentes nesses autores são atemporais.
Todavia, no país de Paulo Freire, se lê pela “identidade” do autor ou da autora. De certa maneira é uma infantilização. O autor ou autora inventa uma personagem “identitária”, e assim se projeta enquanto imagem, enquanto simulacro de si, para determinado público que se quer atingir: o público “feminino”, o público “periférico”, o público “indígena”, o público “LGBTTQIAPN+”, e assim a imagem vem antes da obra e, por mais estranho e cômico que seja, antes do próprio autor ou autora. É marketing. É propaganda. Puro capitalismo disfarçado de sua crítica. E não contribui com a formação de novos leitores.
Porque não há um cuidado com a palavra. Antes da obra, deve haver a denúncia através da imagem que a personagem “identitária” assumida pelo autor ou pela autora representa: é Francisco Zumbi, ou Alex Aymará, ou Sandro Stonewall, por exemplo. Depois, um discurso contra o sistema (o velho discurso contra o sistema, agora repaginado em “identitarismo”), nesse momento, não faltarão expressões de cunho agregador político: “retomada”, ‘’empoderamento”, “matiz”, “afro” e, o mais novo, “decolonial” ou “descolonização”. Estas palavras são totens, e como tais, possuem algo semelhante a um poder encantatório: com o mínimo de discurso, já se disse tudo. Mas percebam que o “totem” age enquanto imagem também e, nesse aspecto, se esvazia o discurso em prol de um entendimento rápido, quase instantâneo. Ademais, estas palavras, palavras de ordem, já são esperadas. Precisam vir na sequência. Não geram leitores, geram discursos prontos, repetitivos e, para quem estiver disposto a absorvê-los, recreativos. Infantilismos.
O “identitarismo” é o ópio da literatura.