*André Gide
Meu entrevistador, que eu havia perdido de vista por mais de um ano, veio me assediar sobre aquele assunto que Fontaine está preparando como uma homenagem à literatura dos Estados Unidos. De uma forma que me pareceu inapropriada, ele ficou surpreso que eu pudesse estar interessada nisso, porque, ele insinuou, nada parecia mais distante de mim…
“Ao longo de minha longa carreira”, eu disse a ele, “encontrei dois tipos de pessoas: aquelas que se apaixonam, tanto pela literatura como pelas artes e pela natureza daquilo que se assemelha a elas, e se decepcionam com cada obra que não lhes oferece um espelho no qual se reconheçam; e aqueles que, em suas viagens por países ou livros, buscam uma estranheza consultiva, de modo que quanto mais a paisagem difere deles, mais a agradam. Eu sou um destes últimos. Não há literatura contemporânea que atraia mais minha curiosidade do que a da jovem América. Sim, ainda mais do que a da nova Rússia.
Acrescentei que minha atenção à voz dos Estados Unidos não era de ontem e que me parecia um dos primeiros na França a admirar Melville, lê-lo e fazer com que ele fosse lido ao meu redor, muito antes de Giorno empreender a tradução do admirável Moby Dick. O mesmo aconteceu com o Walden de Thoreau: lembro-me do dia em que Fabulet, que conheci na Place de la Madeleine, me contou sua descoberta: “Um livro extraordinário! Até agora ninguém sabe na França…” Esse livro eu tinha no meu bolso naquele dia.
Mas quando se trata de produções recentes, outras vieram antes de mim: foi Malraux quem me fez ler Hemingway e Faulkner. Levei algum tempo, confesso, para me aclimatar a esta última, que atualmente considero uma das mais importantes, talvez a mais importante, desta nova Plêiade. No entanto, quem me deu o maior prazer foi Steinbeck. No que diz respeito a Dos Passos, eu o admiro mais do que o amo. Eu sinto o procedimento em sua escrita; seu pontilhismo me cansa, mesmo quando é um dos mais bem obtidos, e vejo em seu intrépido modernismo o anúncio de um envelhecimento prematuro. Não o acompanho muito bem naqueles instantâneos que me deslumbram um após o outro, mas que permanecem descoordenados em meu espírito a ponto de, depois de ter pacientemente terminado de ler os volumes de Manhattan Transfer ou Paralelo 42, eu teria me sentido absolutamente incapaz de agrupar impressões sucessivas em torno de um centro, incapaz até mesmo de saber de quem e do que o autor me havia falado. Mas, de página em página, à medida que lia, sentia-me dominado: tinha de achar aquilo “muito bom”.
Entrevista Imaginária de André Gide
Foto de André Gide