• search
  • Entrar — Criar Conta

A Literatura Morreu?

Fundador de Navegos, ao mesmo tempo em que relembra autores importantes da literatura potiguar, expressa apreensão sobre o destino da literatura e da cultura do estado, em uma época de identitarismos e cotas públicas que, nos fala, causam dissenções e ódio.

*Franklin Jorge

[email protected]

Conversávamos num café sobre a cultura local, lapidada por oportunistas espertos – que se dizem gestores – uma das quais, impelida pela autoconfiança do meliante, confessara a alguém que não lutava, senão para se fazer reconhecida como escritora, artista plástica, show-women, mas como gestora competente e audaz – engrolou todo mundo e a cultura encurteceu.

A Literatura está morta. Um ano após eu obter da Prefeitura de Natal o Prêmio de Literatura Luís da Câmara Cascudo, o Historiador Oficial da Cidade, na passagem de seu centenário de nascimento [1898-1998]. A prefeita Wilma Maia me entregou o prêmio vestida de vermelho. E entregou a Marise de Castro o Prêmio de Poesia Othoniel Menezes, que me precedeu na solenidade.

Não lembro o título do livro premiado de Marise. O meu, pela bela edição que teve, no ano seguinte, pela Editora Mares do Sul, SC, não hei de esquecer. Ficções. Acrescentei, por sugestão de Eduardo Pinto, presidente da Capitania das Artes, ‘’Fricções, Africções’’. Ficou: Ficções Fricções Africções [Editora Mares do Sul, Florianópolis, SC, 1999.] Reuni uma seleção de contos extraídos de outros títulos majoritariamente inéditos. Dos livros que publiquei, amealhou uma grande e densa fortuna crítica, o que me conforta de tanto esforço e labor. Um livro, pela pressa como tudo se fez, a rigor, tecnicamente, com o que tínhamos à mão, dados os prazos. Escolhi ordená-lo como fragmentos de uma antologia pessoal, sucinta, variada, significativa. Quando me entregou o cheque, a prefeita abriu o envelope e o exibiu, num gesto que me pareceu intencional e mal pensado. Baixíssimo, para ser exato.

Ponderamos sobre a horda que escreve e publica, por desfaçatez e pabulagem. Talvez por cotas identitárias. Talvez Militantes. A falta de noção de que carece a vaidade em carne viva, querendo ser vista por todos, em viço narcísico.

No ano seguinte, como política do presidente Eduardo Pinto, participei como membro do júri, do qual discordei, sugerindo que fosse premiada a novela de autoria de Iaperi Araújo, ambientada na Capitania do Rio Grande, sob o domínio holandês. Um relato de época, pitoresco, licencioso, fluente como a água que corre. Publiquei sob a forma de E-Book, pela Amazon, “Na Capitania d’El Rey” [Editora Feedback, Natal, 2000]. Trata-se de um rico Decameron tropical, locado na Capitania do Rio Grande. Seu autor, em um estilo fluido e astucioso, expõe as misérias do domínio, sobretudo do domínio estrangeiro. Apesar do embelezamento da cidade do Recife, tornamo-nos, política e economicamente, uma possessão holandesa.

Depois de Eduardo, os prêmios e a literatura com substrato literário desapareceram, no âmbito da Capitania das Artes. Tudo há de ser festa de rua. É tudo frevo e Boi de Reis. A cultura oficial é puro picadeiro, enferrujadíssimo, sem musculação, sem esqueleto. Não há dúvida de que o bordado é malfeito. Que o professor Eduardo Pinto seja reconhecido como um gestor que quis fazer da Funcarte uma instituição moderna, seria e viva. Eduardo Pinto foi o primeiro e o único presidente da Funcarte que intentou organizá-la como instituição, inclusive instituindo uma política interna de cultura, tornando-a regular. Uma política institucional produtiva.

‘A Literatura morreu?” Perguntam-me, frequentemente, talvez em tom provocativo. “Morta e bem enterrada”, respondo, ao ver que nos faltam o que Baudelaire chamou de ‘’Faróis’’.  As estrelas-guias que, em meio às trevas, dão-nos alumbramentos e desencadeiam epifanias. Hoje, os escritores são titulados ou se beneficiam de cotas identitárias criadas pelo governo para promover as dissenções e o ódio, que não cansa nem fica pouco. Nunca, na história deste país, se publicou tanto lixo sublimados por leis e fundos culturais, geralmente mal aplicados.

Fahrenheit 417, distopia de escritor inglês, mostrou-nos os livros como instrumentos perigosos de rebeldia, de conscientização. O filme precisa de releituras sob outras óticas. O livro, não, continua assustador. A leitura tornou-se inimiga do Estado.  Os artistas, como visionários, sempre se antecipam aos fatos. Sempre estão alguns passos adiante. Devagar, chegam antes.

Capitania das Artes, Natal/RN.