*Alexsandro Alves
Acabei de ler*, pela primeira vez, algo escrito por H.P. Lovecraft. O chamado de Cthulhu. O personagem, segundo informações colhidas a esmo em noites de insônia no emaranhado invisível da net, é a criação maior de seu autor. Trata-se de uma criatura pavorosa que dorme à espreita nos confins abismais dos oceanos e espera, em sua cidade fantasmagórica, o despertar. Esse despertar virá a partir de rituais arcanos e secretos realizados por humanos. Cthulhu é uma criatura imensa, com cabeça de polvo, asas nas costas e garras retorcidas nas mãos e nos pés, sua comunicação, sempre causadora de distúrbios, ocorre telepaticamente.
Parece aterrador e poderia ser na época em que foi escrito mesmo. Mas e hoje? Eu li esse que é tido como mestre do terror, e não senti sequer uma cócega. E não senti sequer algo vagamente perturbador em meu juízo.
Lovecraft insiste, em seu texto, em adjetivos do tipo sinistro, caótico, insano, secreto, e outros termos que aparentemente devem causar tais sentimentos. Mas não causam. A palavra sinistro presente em um texto não torna o mesmo sinistro. Seria o mesmo que dizer que S/I/N/I/S/T/R/O, causa medo. Não causa. A palavra em si não é perturbadora. O ambiente criado é que deve instaurar o medo.
E Lovecraft não consegue criar esse ambiente, essa atmosfera de horror. E ele insiste, e muito, nesses adjetivos. Quase como se quisesse nos convencer que o que ele fala é medonho! Creio que nesse texto a palavra sinistro e similares devem aparecer umas cem vezes e com insistência.
Observem Poe. No poema O Corvo não há muitas menções a tais termos, mas a atmosfera nos convence que há algo sinistro acontecendo. Quando o corvo surge, ele é mais assustador do que Cthulhu! Outro poema bastante perturbador é O Morcego, de Augusto dos Anjos, que só peca por querer explicar o morcego no fim. Mas a atmosfera das três primeiras estrofes nos enche de medo e pavor e de sombras. Nesses dois poemas notamos a existência de um mal, de um desequilíbrio, de uma insanidade e de uma realidade que parece estar além de nós, embora que nossa mente seja a causadora dela.
A loucura e a insanidade, tão reivindicadas pelos personagens de Lovecraft, não têm sequer a centelha das mesmas conforme presenciamos em Poe. A queda da casa de Usher. O gato preto. O retrato oval. Por que esses contos ainda causam medo? Por que esses contos nos fazem sentir a realidade do mal?
Porque são calcados no homem e em sua vida. Lovecraft credita suas insanidades a criaturas exteriores e artificiais. É primitivo. Transferir a existência do mal e da loucura para entidades fantasmagóricas que vivem em cidades imaginárias, é coisa de humanos pré-escrita. O mal existe, porque o homem existe e não porque Cthulhu está adormecido e será invocado.
O que é um corvo? Apenas uma ave. Causa medo? C/O/R/V/O. Não. Mas após lermos The Raven, de Poe, nunca mais veremos aquela simples ave da mesma maneira. Eu lembro quando li esse poema pela primeira vez. Não dormi pensando na fineza do mal e da loucura.
O que é Cthulhu? Uma criatura sinistra que surge do mar pavoroso e caótico e provoca insanidade através da telepatia. Causa medo? Não. Nem vampiro hoje causa medo. Descrições como Cthulhu causariam medo em fins do século XVIII, no auge do romantismo fantástico de Hoffmann e similares. Porém o zeitgeist contemporâneo perdeu o medo até de vampiros e de lobisomens.
Apenas crianças teriam de medo de Cthulhu. E podem ter. Estão na idade de se apavorarem com descrições que são sinistras, porque essa palavra está lá, porque a palavra insana também está lá.
Vejam O Pesadelo, de Fuseli. Isso é perturbador. E sabem o que é mais perturbador nesse quadro? O cavalo. Algo tão corriqueiro. Um cavalo! E é mais aterrador do que todas as vezes que Lovecraft insiste que Cthulhu é sinistro, é pavoroso e é insano!
Essa forma de terror de Lovecraft, cheia de adjetivos e sem impacto, estranhamente influenciou muitos bons escritores. Nesses casos, os alunos superaram seu mestre. Sobretudo nos quadrinhos, autores como Alan Moore, Grant Morrison ou Neil Gaiman, quando escrevem dentro do gênero terror ou horror, a influência de Lovecraft é inconfundível. Também Stephen King e Clive Barker demonstram grande apreço por ele.
Enfim. Conheci Lovecraft. E estou rindo até agora do incrível Godzilla tentacular dele. Imaginem Godzilla emergindo do mar e destruindo uma cidade. É apenas isso. Cthulhu não personifica nossos medos e angústias, como Poe faz em tudo o que escreve. Como dos Anjos faz no Morcego, como Fuseli faz no Pesadelo. Cthulhu é uma criatura gigantesca que existe. Que é sinistra e é melhor nem mesmo falar sobre ela.
É um monstro assustador pois Lovecraft insiste que ele é! Não adianta insistir em colocar mais do que isso nele, nem seu criador conseguiu.
Daria mais certo em Pacific Rim… vejam as gravuras abaixo!
*Texto escrito em 2016.