*Conceição Evaristo
Minha mãe, aliás, está aqui hoje conosco, lúcida, aos 98 anos. Apesar de todas as carências que tivemos na infância, a minha mãe foi sempre uma pessoa muito presente, que estava muito próxima. É engraçado que na casa dela, aqui em Contagem, tem dois pés de jabuticaba e eu fico olhando aqueles pés de jabuticaba, as frutinhas negras, pretas, agarradas ao tronco… me dá sempre a ideia da minha mãe e da gente agarrada com ela, mulher de pouca leitura, mas de muita sabedoria, de muita palavra, de muita capacidade de observação da vida. Sem sombra de dúvida, a minha literatura nasce muito dessa experiência, dessa convivência, desses ensinamentos. Quando eu falo desse sinal gráfico é porque eu me lembro de minha mãe desenhando o sol no chão quando chovia. A gente precisava justamente do tempo seco, ela como lavadeira… Então ela tinha essa simpatia de desenhar o sol no chão, para chamar o sol para secar o tempo. E hoje eu olho e vejo direitinho a imagem daquela mulher agachada, e nós olhando minha mãe desenhar o sol. Então, simbolicamente a minha escrita, meus primeiros traços, vêm dessa lembrança da minha mãe. Isso muito antes até de eu chegar na escola. Mas nos meus primeiros traços de escrita eu só me lembro da minha mãe tendo esse gesto.