*Francisca Moura
Há livros que nos fazem sorrir, sonhar, e até, quem sabe, desejar estar lá. Há livros que nos fazem lacrimejar, temer e até sofrer, sem lá ter estado. Há livros grandes e, ainda assim, sem dimensão. Há livros tão pequenos que ofuscam pela amplitude da sua mensagem. “A Mais Preciosa Mercadoria” (D. Quixote, 2020), do francês Jean- Claude Grumberg, é um desses pequenos livros, com uma mensagem gigantesca, repleta de dor, mas também de superação, esperança e amor.
A mensagem é manifesta e recomenda transcrição: “É esta a única coisa que merece existir, tanto nas histórias como na vida real. O amor, o amor dirigido às crianças, às nossas e às dos outros. O amor que faz com que, apesar de tudo o que existe, e de tudo o que não existe, a vida continue”.
Neste pequeno livro estamos perante uma gigantesca história. Para alguns, uma fábula mas, acima de tudo, um relato inspirado em episódios reais, passados em tempos não longínquos e com personagens cuja existência está comprovada, se não com os nomes e os detalhes que aqui encontramos, com outros para os quais não releva o detalhe.
Em 1943, um casal de lenhadores pobres e desalentados sobrevive sozinho, sem filhos e sem esperança até que, de um comboio de mercadorias (como era tido por quem nos campos da Polónia desconhecia a sua verdadeira carga), é lançada uma criança embrulhada num xaile. Dentro do comboio, um casal confrontara-se com o facto de não existir alimento suficiente para os gémeos recém-nascidos, ambos dependentes do já escasso leite materno. Ainda antes de chegar ao destino, muitos dos ocupantes do comboio sucumbem. A falta de horizonte revela-se para alguns uma morte antecipada.
Quando a guerra termina há, entre os sobreviventes, um homem que se confronta com a sua própria existência, com o peso das decisões e uma identidade comprometida. Ainda assim, jamais aceitou a desistência como uma opção, mesmo quando voltou a confrontar-se com a necessidade de, em nome do amor, voltar a renunciar.
Vendido em mais de dez países, apreciado pela crítica e escolhido pelo realizador Michel Hazanavicius para ser em breve um filme de animação, este pequeno conto sobre Auschwitz é inspirado em episódios reais. Tal como refere o autor, o comboio 49 partiu dia 2 de Março de 1943, transportando um milhar de judeus – entre os quais o seu pai. No ano anterior partira de Dancy (França), entre outros, o comboio 45, levando a bordo centenas de homens, mulheres e crianças – entre os quais Naphtali Grumberg, o seu avô.
Jean-Claude Grumberg nasceu em França, em 1939. Ator e dramaturgo, foi premiado diversas vezes pelo seu trabalho de dramaturgo. Escreveu livros para crianças e argumentos para filmes. O facto de ter assistido ao momento em que o seu pai foi levado pelos nazis, para o campo de extermínio. inspirou-o para a escrita de muitos textos, entre esta extraordinária história que se lê sem dificuldade, adequada a diversos públicos de leitores, mesmo de faixas etárias mais jovens. Numa linguagem simples e numa extensão comedida que não compromete a mensagem, Jean-Claude Grumberg consegue a proeza de retratar uma época da história da humanidade, repleta de sofrimento e de angústia, sem deixar fenecer a esperança.