*Alexsandro Alves
Londres, manhã do dia 10 de julho de 1741.
Com tranquilidade, Charles Jennens percorre os corredores do palácio. Ele, um rico proprietário de terras, de homens e de mulheres, ainda pensa no seu Deus quando contempla o extremo luxo em cada parede dos salões: “mas Deus é o senhor de toda a prata e de todo o ouro.”
Encontra o amigo sentado ante um cravo, observando da janela rouxinóis que cantam em seus ninhos. O Maestro está absorto, talvez triste, talvez a espera de um milagre.
Maestro, eu tenho um novo libreto! Concluí ontem!
A ópera não me interessa mais. Minhas duas últimas foram um fracasso. O londrino perdeu o encanto pela gênero. Já não são mais os mesmo da época da minha Rinaldo. Você sabe quanto eu gastei?
Vossa Santidade Benedictus Decimus Quartus proibiu a ópera, os teatros irão à falência! É música depravada, segundo Vossa Santidade.
Seja como for, no continente ela goza de ampla entrada nos teatros. Por que apenas em Londres? Eu preciso de um milagre e não de uma ópera, eu estou em ruínas, minhas finanças estão em ruínas.
Pois me deixe apresentar este libreto. Preste atenção. O tema é o tema dos temas! Vamos restaurar o amor de Londres pela ópera, sem usarmos a ópera. Não precisa ser no teatro, se Vossa Santidade torce o nariz. Mas imagine um oratório com música semelhante à música de ópera! Não precisa cantar sobre batalhas dos homens, aos invés delas, cantemos sobre a guerra do bem contra o mal; o Papa critica as árias de bravura, Vossa Santidade não aprecia homens cantando sobre sangue e armas! Vamos fazer ouvir uma música que seja afirmação direta da fé, com o mesmo ímpeto, a mesma bravura, porém com texto dos Profetas, dos Salmos, Salmos 2:1-6: “Why do the nations so furiously rage”, com piruetas de coloraturas em meio aos violinos roçando em brasas por todos os lados enquanto colcheias e semicolcheias se excitando em frêmitos, sacodem o auditório de fiéis e o intérprete, furioso, denuncia as nações! As árias de amor, serão árias de fé! Uma soprano de voz cristalina cantando esse texto “I Know That My Redeemer Liveth”, você pode imaginar! É tudo brilho! Não interessa o texto, podemos usar o texto como pretexto para a uma ópera disfarçada de oratório! Todos acreditarão e amarão, e por quê? Porque a música será brilhante, como numa ópera. Sem sofrimentos, apenas violinos luzindo, a sinfonia de abertura na forma de uma abertura francesa, mas mudando a sequencia, ao invés de movimento lento-alegre-lento, que é muito triste, lento-alegre, com aquela pompa solene da ópera francesa e ritmos de dança enquanto se canta sobre profecias, pastores, ovelhas e presépios!
Charles, você tem parte com o Diabo! (Rindo)
Pois que o Senhor nos abençoe. Vossa Santidade deseja destruir nosso negócio, vamos ganhar em cima de sua proibição e mostraremos quem é mais esperto. Será o maior sucesso de sua vida, Maestro!
A temporada já está para começar…
Mas você consegue! Eu quero essa música em 30 dias!
Eu pegarei trechos de algumas óperas e farei novos arranjos. Comporei nova música para alguns trechos, mas para apressar o trabalho e o dinheiro, usarei música já existente!
Você esteve recentemente no continente. Pegue as composições que você trouxe de lá e plagie.
Também, também! Há muito coisa que o londrino não conhece do que está sendo feito no continente!
Plagie e faça a música mais brilhante que você já fez!
Charles, você afirmou que era o tema dos temas! Que tema é esse?
A obra terá um título curto. Um título curto, direto, uma única palavra que chame a atenção de todos, inclusive de Vossa Santidade: ‘Messias!’
24 dias depois, Händel entregou seu oratório “Messias” para seu amigo. A estreia foi em Dublin, não em Londres como se esperava, não houve mesmo tempo suficiente, mesmo apressando a composição. A obra gerou a maior receita que Händel obteve em sua vida. Quando morreu, era novamente um homem rico.
Abaixo, duas das árias do oratório, verdadeira ópera de igreja!
Why do the nations so furiously rage, “Por que as nações se enfurecem”; na tradução de Almeida, “Por que se amontoam as nações”, para baixo ou barítono e I know that my Redeemer liveth, “Eu sei que meu Redentor vive”, para soprano.