*Franklin Jorge
Ela chegou la em casa num sábado, quando eu estava assistindo um filme no Pedro Amorim. Ao voltar para o almoço, já a encontrei, dizendo-se a Menina de Jucurutu, já fora apresentada a casa alugada a uma senhora viúva, Dona Mariza Caldas, que nos visitou com o filho adolescente. A casa tinha um vasto quintal e um poço que abastecia a casa e os gastos ordinários, como o jardim. O terreno, fundo e largo ia de uma rua a outra. O cacimbao tinha catavento.
Francisca, Teté, não sei a que pretexto entrou em nossas vidas. Cheia de vida, tinha muita imaginação. Creio que foi minha primeira amiga. Devia ter uns 14 anos. O dobro de minha idade. Dizem que os de minha tribo são rancorosos e sombrios. Carregam a alma nos olhos. Tenha cuidado com os índios. São os filhos da terra…
Despertou-me para a beleza e personalidade dos sapos. De fato, não há entre os sapos um que se pareça com outro. Todos nos parecem familiares, uma tia avo solteirona e afável. De insetos que antes passavam despercebido. Das ervas humílimas, aprendemos suas propriedades curativas. Dizia-lhe uma velha tia avo coroca. Menina expedita, prestava atenção a tudo e de cada um colhia a expressão que a resumia. Um gesto, uma palavra, a sintaxe que a tornava única. Um cacoete. Anos depois teríamos em Dude uma Francisca rediviva, com a peculiaridade de amar velórios e ter o prazer de ‘’fazer quarto a defuntos’’. Por ela, passaria a noite velando o morto, para ter a certeza de que estava viva. Ambas sabiam se safar das dificuldades.
Ajudou-me a corrigir alguma coisa de que eu não gostava em mim.
Queria ver o mundo em sua largueza. Tudo para Francisca era novidade. Caminhando naquele ritmo, era fativel que chegássemos ao Japao, o pais mais longe que há. Fica longe de todos os outros países. Como os índios, que estando aqui, não estão. Meus avos foram índios. Viveram sempre em Jucuturu aqui so faltam as belezas de Jucurutu. Ainda não vi aqui cachorros d´água… Nem avestruzes. Mesmo aqui, a beira d´água, há poucos cachorros d´água. Unzinho aqui, outrozinho ali… Quanto eu for e voltar de Jucurutu, trarei uma caixa de sapatos cheinha de cachorros d´água…A China, você sabia, fica encravada no Centro da terra. Ninguem sabe aonde a China começa… La tem o comunismo.
– Eu sou uma india Jucurutu…
Ouvia-a por horas, caminhando e falando, enquanto ela tecia suas fabulas. Os outros meninos que queria fazer parte da nossa companhia, cansavam-se e tombavam pelos caminhos, enquanto eu seguia o som de sua voz magica.