• search
  • Entrar — Criar Conta

A morte da Hamburguesa

Em colaboraçao com o Instituto Camara Cascudo, Navegos publica mais uma cronica do historiador de Natal registra um dos crimes que abalou a cidade provinciana

*Luís da Câmara Cascudo

[email protected]

Ao meio-dia de 16 de fevereiro de 1845 foi descoberto, boiando nas aguas do Baldo, o cadáver putrefato de Ana Marcelina Clara, a conhecida e popular Hamburguesa, simples e boa, orçando os cinquenta anos, grande e gorda.

Vivia, desde 1826, em Natal, na rua da Aula Pública, depois Aquídaban, hoje João Pessoa, no trecho entre a av. Rio Branco e Vaz Condim, numa casinha térrea, onde estão os nsº 124 e 120. Fazia doces e bolo para a venda pública. Todas as madrugadas ia ao Baldo banhar-se e trazer água para os gastos domésticos. Diziam-na muito rica, dona de um baú cheio de moedas de ouro.

Os rumores e acusações correram. A cidade inteira tomou conta do assunto. O Chefe da Polícia, Dr. João Paulo de Miranda, iniciou as diligências, efetuando prisões. Foram presos os soldados Alexandre José Barbosa e João Francisco de Freitas e o sogro de Alexandre, Maximiniano da Silva e sua filha, Josefa Maria da Conceição.

Pouco a pouco, interrogatório a interrogatório, a verdade foi aparecendo, esbatida, indecisa, depois nítida e completa.

Na madrugada de 13 de fevereiro, Alexandre abatera a Hamburguesa com uma cacetada, asfixiando-a depois na areia solta do Baldo. Amanhecia, o assassino carregou o corpo, escondendo-o num dos quartinhos de sua casa, nas imediações. A noite levou-o para debaixo de um cajueiro e foi buscar o sogro, que, ameaçado, ajudou-o a amarrar o cadáver a uns paus e atirá-lo ao Baldo, na noite do mesmo 13.

Na manhã do crime, o menino Antônio José Souza Caldas, que faleceu quase septuagenário a 16 de dezembro de 1896, contou a toda a gente um sonho que tivera, vendo a Hamburguesa debatendo-se com alguém que a matara.

O Júri, a 17 de julho, presidido por José da Costa Pereira, condenou Alexandre á morte, absolvendo os demais acusados.

O réu chorou, ouvindo a leitura da sentença.

Apelada, a Relação de Pernambuco julgou improcedente. O imperador D. Pedro II, em 29 de setembro de 1840, negou o recurso da graça. O presidente da Província, Casimiro José de Morais Sarmento, deu o despacho da lei: Cumpra-se e Arquive-se.

O Juiz de Direito de Claudio Manuel de Castro oficiou ao Juiz Municipal mandando que cumprisse a lei. Marcou este a data da execução.

Na madrugada de 31 de Outubro de 1846, Alexandre José Barbosa, confessou-se e comungou assistido pelo padre Joaquim Francisco de Vasconcelos que o acompanhou sempre. Seguido pelo povo e escolta militar algemado, corda ao pescoço, percorreu as ruas mais públicas do Natal, até o (Ilegível) onde a forca estava armada, mais ou menos onde está o Mercado Público da Cidade Alta.

Servia de carrasco o preso Francisco Lourenço Cabral. Alexandre bebeu o vinho que davam aos condenados, pediu uma Salve Rainha aos assistentes, pedindo uma boa passagem para o outro mundo.

Passaram-lhe a corda ao pescoço e o carrasco empurrou-o para fora do tablado, puxando-lhe as pernas apressando a morte por estrangulação.

Às nove horas da manhã tudo acabara. O corpo foi enterrado na Igreja do Rosário.

Castriciano escreveu um ensaio completo, narrando o processo, na revista do Instituto Histórico, vol.-V nº 2. 1907.

Esse foi o crime da Hamburguesa. O assassino encontrara apenas uns dois anéis, moedinhas de prata e um ou outro patacão de ouro.

Pagou com a vida.

A República, Natal, 25 de abril de 1943.

Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO