• search
  • Entrar — Criar Conta

A morte de Cacá Diegues e a morte de nossa literatura

Cacá Diegues, cineasta brasileiro, morreu hoje, 14 de fevereiro de 2024, deixando um legado de filmes, mas o que isso tem a ver com a literatura brasileira?

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

A morte de Cacá Diegues, cineasta brasileiro, aos 85 anos incompletos, abre uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Ele era um dos imortais da Casa de Machado de Assis sem nunca ter escrito um livro relevante para a nossa literatura, assim com o são vários outros, como o atual presidente dessa instituição, Merval Pereira.

Eu lembro que na época de sua eleição, ele concorria com Conceição Evaristo. Esta, uma escritora. Uma escritora de livros, algo que o brasileiro parece desconhecer cada vez mais, não apenas por sermos um país que lê cada vez menos, mas também por outro motivo: a Academia Brasileira de Letras parece desconhecer que há escritores no Brasil.

Cacá Diegues faz parte de uma leva estranha que invadiu a ABL: Gilberto Gil, Fernanda Montenegro e outros, que não têm importância alguma para a literatura brasileira, podem ter para o cinema, para a música popular ou para o teatro, mas isso é outro assunto. O problema mesmo está nisso: nós não conhecemos mais nossos escritores, não há espaço para eles e isto significa que não há espaço para o livro literário.

Me vem agora um dado que infelizmente não posso relatar por completo em todas as suas entrelinhas, mas o fato é verdadeiro. Na década de 70, no Brasil, um escritor (e infelizmente não lembro seu nome, me perdoem), reuniu em um livro o melhor de nossa poesia à época. Quando de seu lançamento, esse antologista foi muito e severamente criticado pois seu livro não continha letras de músicas.

Seu livro não contemplava as letras de músicas de Chico Buarque, Caetano Veloso e toda aquela gente tropicalista que se pensava poeta, ou seus ouvintes, seus fãs, para colocar o lugar adequado aqui, indústria cultural, assim imaginavam suas letras: como poesias. Como poesia do calibre de um Cruz e Sousa, uma Francisca Júlia ou um Manuel Bandeira. Mas o que parecia apenas uma diatribe de uma geração desregulada, era mesmo uma antecipação do que ocorreria com o livro no Brasil.

Hoje, a literatura foi substituída por qualquer outra coisa. Pelo cinema. Pela música popular. Pelo hip hop. Pelas telas. Nós, literatos, não temos mais lugar nessa sociedade. Não é autopiedade ou comiseração excessiva. É fato. Isso chegou até na ABL. Hoje, ela elege um músico, ou uma atriz, ou um cineasta ao invés de uma escritora de verdade, de talento, de uma literata. De uma cidadã que sempre viveu com livros e pelos livros.

Nós, literatos, pensamos pelos livros que escrevemos, através deles. Não pensamos pela arte sequencial ou por músicas, nosso trabalho, fruto de nosso ócio criativo, é a palavra trabalhada no papel e publicada em forma de livro. Será que nesse país não há mais escritores? Quem substituirá Diegues? Um ator? Uma jornalista? Um político?

Dentro da atual realidade nossa, podemos pensar em qualquer um, menos em quem escreve livros. O Brasil não lê e segundo as escolhas da ABL para seu quadro, nós não temos escritores. Um país sem literatura, país de imbecis.