*Alexsandro Alves
Quando a tecnologia da informação começou a se popularizar, era comum uma crítica que dividia a vida dos indivíduos em categorias como “analógico” e “digital”.
A primeira era sempre diminuída em prol da segunda. As gerações passadas, analógicas, precisavam alcançar a recente geração digital que iniciara seu surgimento e que encontrava, evidentemente, seu público nas gerações mais novas.
Ouvi frases como “o vídeo game vai substituir o romance” – sério, eu ouvi isso.
O motivo era que os jogos eletrônicos estavam tão complexos, como um grande romance que faz seu leitor ser um grande detetive ou psicólogo, que os jogadores poderiam ser vistos como escritores em tempo real enquanto jogavam. E de fato os jogos hoje são cada vez mais complexos, porém a sua complexidade reside não na complexidade narrativa, mas apenas nas buscas e soluções que o jogador precisa empreender para finalizar o jogo. Tanto assim que, em vários deles, há inclusive muitos diálogos, que são pulados! Ninguém, nenhum jogador os lê. A questão é sempre a ação imediata e imediatista.
Houve estudos que demonstravam como o cérebro dos jovens se adaptava a esse tipo de informação, a sua rapidez e, assim, esse cérebro, exposto aos jogos eletrônicos, se desenvolviam mais do que os outros. As crianças que jogavam tais jogos eram vistas como superdotadas e muitos adolescentes sonhavam e ainda sonham em se tornar desenvolvedores ou celebridades de jogos eletrônicos.
Isso foi em fins do século XX e no início do século XXI. Foi uma onda que tomou e varreu o senso comum e a ciência estampados em capas de revistas semanais de informação ou em programas de domingo.
Do vídeo game chegamos aos celulares.
Tinha que acabar neles? Um assunto sobre livros, e até o momento apenas games e agora também celulares?
Porque essa dupla digital, com suas redes sociais, estão tomando o espaço dos livros. E não apenas nas questões quantitativas (quantos jovem leem livros versus quantos jogam games ou usam celulares para tudo), mas também há um novo adolescente que se origina desse uso de aparelhos eletrônicos.
É certo que o indivíduo, cada vez mais tecnológico, foi se distanciando dos livros – é um fenômeno mundial, não apenas do Brasil.
Porém há esse outro problema. Esse novo adolescente.
Considero o livro a maior criação da humanidade. Não é romantismo nem pedantismo ou palavra vazia.
O livro tem uma lógica diferente da dos meios digitais.
Ele precisa de muito tempo, de sossego, de silêncio. A imersão em um texto de um livro é gradual. A cada página. Literalmente, quando isso vai ocorrendo, existe uma simbiose entre o leitor e o escritor, a leitura de um livro nos torna íntimos de quem o escreveu ao ponto de nos identificarmos com o seu autor. De amá-lo, ou não. Mas é todo dentro do humano.
O livro demanda e produz humanidade porque gera no leitor reflexões, insatisfações, questionamentos. É como um diálogo que inicia solitário, mas um diálogo que chama por mais diálogo. Por socialização. Você não lê um livro e o guarda para si, a vida que foi plantada na alma, a partir das páginas de um livro, exige uma outra alma. O livro é como um elo potencialmente gerador de amizades.
A escrita de um livro, até mesmo a escrita, aquela analógica, com lápis e papel, tem um efeito diferente daquela em que o escritor escreve a partir de um teclado de notebook.
A era digital tem emburrecido os jovens de um lado e não socializando, a contento, por outro. A rapidez da informação digital, gera satisfação imediata e isso, hoje, tem se mostrado que é vício, gera um vício por alegria que precisa sempre ser renovada na velocidade do toque rápido para a mudança de tela em um celular.
Recentemente, em um encontro pedagógico, fiquei sabendo que crianças do Ensino Fundamental estão desaprendendo a pegar no lápis. Elas escrevem com os dedos, não com as mãos. E é muito difícil fazê-las usar o lápis. As reclamações são: “é chato”, e isso significa que é lento, morgado, sem a satisfação instantânea da tecnologia digital. Não é à toa a onda contra celulares em sala de aula e também o retorno do livro em substituição a notebooks em alguns países que já perceberam a problemática: esses objetos digitais estão substituindo a inteligência literária dos indivíduos por uma nova mentalidade baseada na rapidez e na satisfação rápida, gratuita e repetitiva, é pornografia sem sexo.
Claro que para quem nasceu em eras analógicas é fácil unir os dois ambientes ou mesmo nem precisar do digital; porém para as novas gerações isto não é assim.
E permanece as perguntas: como arrumar um lugar para os livros e para a sua leitura nesses tempos? É possível que o livro ainda tenha relevância na construção do ser humano?