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A nova poesia feminina do Seridó

Professora pós-graduada em Letras, residente em Currais Novos, publica curto ensaio sobre vozes femininas da´poesia produzida em uma das mais ricas culturas regionais do Rio Grande do Norte.

*Maria Maria Gomes

No recorte temporal dos anos 60 do século XX havia uma revista literária publicada no Seridó potiguar cujo nome inspirava a ideia de um nicho específico de autores, chamada Ninho das Letras. A publicação ocorria trimestralmente e recebia o apoio de empresários da cidade de Currais Novos, como o Desembargador Tomaz Salustino, que também escrevia poemas, em sua maioria, relacionados à temática religiosa, embora não tratasse de forma exagerada de assuntos eclesiais. Além deles, o poeta Mariano Coelho, que exercia a medicina na região, e outros tantos.

De maneira bastante tímida, bem escondida, como um tejo no oco de um baobá, surgiam aqui e ali uma mulher escrevendo algum poema. Uma delas era a irmã do médico, Sinhá Coelho. Todavia, essa escrita, embora muito requintada, não se colocava em destaque como no caso da escritora já conhecida na capital do RN, a autora de vários poemas aclamados pela crítica, Palmyra Wanderley. Esta, vinha de uma linhagem mais abastecida de oportunidades e seu nome acrescentava, substancialmente, riqueza à Revista Ninho das letras. O predomínio era sempre masculino, modelo que atravessou anos desde a Fundação da Academia Francesa de Letras, na qual, nenhuma mulher, dela participava. De qualquer forma, o preconceito que envolvia a escrita feminina era de caráter cultural machista e que correspondia a um tempo histórico distinto deste no qual vivemos.

Não refiro-me apenas à escrita da poesia nos moldes parnasianos, cheios de becos sem saídas, poemas amarrados ao ferro e ao fogo da famosa escola literária da tríade Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto Oliveira. Não, refiro-me também a poesia popular representada pela cordelista Maria das Neves Batista Pimentel que escreveu em 1938 o folheto O violino do diabo ou o valor da honestidade sob o pseudônimo de Altino Alagoano. O acesso à escrita por parte das mulheres tornava-se, a meu ver, um discurso inconcebível no meio de um ambiente literário predominantemente masculino. As vozes emudeciam para o público, porém, as produções existiam em cadernos amarelados e escondidos às sete chaves, chamados de diários secretos pelas leitoras mais desavisadas. E a produção feminina começou a ganhar fôlego, especialmente nos interiores do Estado do Rio Grande do Norte, através das estudantes de instituições educacionais específicas para elas, as conhecidas Escolas de Moças. Ali, elas tinham acesso à literatura e também a produziam, mesmo sob a égide imperativa dos educadores. Por volta dos anos 50 os nichos reacenderam e surgiu em Caicó – RN, o Jornal das Moças, com publicações em prosa e em verso, mas resumido apenas àquelas mais abastadas e com poderio financeiro maior. Seria uma literatura exclusivista? Uma literária para poucos? Certamente sim. O que faria uma mulher pobre, sertaneja, moldada nos modelos tradicionais de obediência marital, de subserviência e sem instrução escolar com um livro? Para que ele serviria? De qualquer modo a escrita feminina existia. Essa é uma boa reflexão! Mas há também notícias favoráveis às mulheres. No final do século XX para o início do século XXI, começaram a surgir nas universidades federais alguns levantes poéticos que saíram do fundo das águas mornas para respirar ar fresco nas encostas e a poesia voou de dentro dos campi existentes no interior do estado ganhando respeito nos concursos literários surgidos a partir de políticas públicas de incentivo à cultura.

O recorte temporal ao qual me refiro começa nos anos 2000 quando a tecnologia nos permitiu criar os famosos Blogs, essa “era” foi uma das mais interessantes para os poetas/poetisas porque lhes permitiu criar seus modelos e publicar o que desejassem, da maneira mais criativa/anárquica possível. Os blogueiros, ou seja, aqueles que controlavam seus comentários e faziam publicações desenvolveram templates cada vez mais adequados às propostas, levando os leitores ao delírio. E a partir daí, o fomento a criação de editais voltados para competições literárias com direito à premiação, foi o marco simbólico importante para a nova geração da poesia potiguar e da nova poesia feminina do Seridó, uma vez que emergiram dessas terras ocriosas e quentes uma gama de poetas e poetisas, deslumbrados com as novas perspectivas. Os concursos promovidos pela Fundação José Augusto (FJA) e pela Fundação Capitania das Artes (FCA), além de outras instituições culturais, deram visibilidade a jovens escritores que sequer pensavam na possibilidade de ganhar uma menção honrosa, que dirá um prêmio em dinheiro. Dessa leva, boa parte dos poetas/prosadores publicaram seus livros, de maneira independente, é claro. Ainda não temos o prazer de receber convite de editora para publicarmos nossos trabalhos, o fazemos porque somos atrevidos e nosso sangue quente caatingueiro corre por nossas veias. Existem, naturalmente, os mesmos nichos literários iguais àqueles que compunham a Revista Ninho das Letras e grupos que se reúnem como faziam todos os demais poetas das gerações anteriores.

Há de se considerar o fato de que movimentos literários nascem de nichos, a exemplo da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo no ano de 1922 com artistas das mais variadas estirpes. E os quadrados onde se encaixam as Escolas Literárias que conhecemos no Ensino Médio para facilitar a compreensão da literatura brasileira, não deixam de ser nichos. Acredito que a nova literatura do Seridó não precisará de caixinhas bem arrumadas para que dentro fiquem os poetas que mais se destacaram nessa geração. Ao contrário, não haverá mais estudos de grupos isolados, pois estamos perpetuando a leitura e a produção escrita nas escolas de maneira tão relevante que, muito em breve, o número de poetas/poetisas aumentará e aí, os espelhos refletirão as imagens de nós mesmos.

Maria Maria Gomes – É escritora e poetisa