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A Ópera: estilos e autores

Colaborador de Navegos apresenta de forma sucinta e didática um repositório operístico que abrange e condensa torno um repertório musical que vai do Barroco ao Impressionsmo, de Monteverdi a Debussy, aproximando o amador do gênero de uma plêiade de virtuosos.

*Francisco Alexsandro Soares Alves

Espetáculo extravagante, carnaval estilizado, obra de arte total. A ópera é tudo isso. Saudada em seus inícios como um renascimento da tragédia grega, Carpeaux em sua História da música já dizia: “Foi um erro filológico. Nada é mais diferente da tragédia ática do que uma obra de Monteverdi!” Bem, desse engano da Academia Fiorentina, do renascimento italiano, surgia o mais controverso e amado gênero da música. As primeiras óperas, estreadas no século XVI não chegaram até nós, ou chegaram em fragmentos. Jacopo Peri (1561-1633) é o primeiro compositor a divulgar o novo gênero, porém sua primeira ópera, Dafne (1597) perdeu-se. Eurídice (1600) é a primeira ópera que sobreviveu completa desse período. Abaixo uma lista de óperas, pelos principais estilos do gênero.

ÓPERA BARROCA. ORFEU, de MONTEVERDI (1567-1643). Estreada no carnaval de1607, é a primeira obra-prima do novo gênero. Seu estilo une o madrigal renascentista com características novas que prefiguram a estética barroca. Monteverdi escreveria mais duas óperas, O retorno de Ulisses à pátria (1640) e A coroação de Poppeia (1643), sua maior criação, que devido ao seu falecimento, foi concluída por seus alunos. No Orfeu, trechos belíssimos são a Toccata inicial, o Prólogo e o diálogo entre Orfeu e Caronte. No You tube, está disponível a famosa gravação regida por Harnoucourt e dirigida por Jean-Pierre Ponnelle.

ORLANDO FURIOSO, de VIVALDI (1678-17410). O poema épico do poeta italiano Ariosto (1474-1533) rendeu como nenhum outro texto inúmeras óperas. E é a ópera de Vivaldi que contém todos os excessos maiores do barroco. Aqui, descobrimos que a Sapucaí foi primeiramente italiana. Árias longuíssimas e da capo, de 10 minutos ou mais, com muito floreio e acrobacias vocais, cenários suntuosos e efeitos mirabolantes para a época dão o tom. Fantasia, canto e luxo, é a ópera saindo do armário e extravasando a ribalta em uma apoteose de desmesura. Hoje não temos quem se aventure em Orlando com toda essa pompa. Os cenógrafos infelizmente são muito comedidos. Sinais dos tempos. Uma gravação interessante é a da Ópera de Verona, com a soprano Marylin Horne, de 1978, disponível no You tube.

ÓPERA CLÁSSICA. ALCESTE, de GLUCK (1714-1787). Em 1767 o alemão Gluck levava aos palcos de Paris sua Alceste. Na capital francesa, Gluck deu início a uma renovação da ópera. Fugindo dos excessos italianos, Gluck concebeu a ópera como uma peça de paixões amenas, onde a expressão clara e objetiva era um espelhamento da filosofia racionalista do Iluminismo. O texto em Gluck é cantado com elegância e a orquestra acentua o caráter mais austero de seu sentimento. Não há exageros barrocos de qualquer espécie. Economia, equilíbrio e moderação eram as palavras de lei para Gluck. Uma gravação completa do espetáculo se encontra no You tube, com regência de John Eliot Gardiner e direção cênica de Robert Wilson.

AS BODAS DE FÍGARO, de MOZART (1756-1791). A obra-prima maior de Mozart estreou em Viena em 1786, é o mais perfeito exemplo de ópera buffa, embora incorpore elementos da ópera séria italiana. Não há altura nesse mundo que alcance a sublimidade do que Mozart fez aqui. No You tube, as encenações de Gardiner, Harnoucourt e Ponnelle estão entre as mais satisfatórias.

SINGSPIEL. A FLAUTA MÁGICA, de MOZART. O Singspiel é uma tentativa alemã de fundar uma escola de ópera nacional. De relativo sucesso, todavia, essa escola nacional alemã apenas surgiria com Wagner. Trata-se de uma peça que alterna falas com canções, muitas vezes canções derivadas de temas populares e folclóricos. Mozart compôs vários singspiele, entre eles: Bastien e Bastiene (1780), Zaide (1780), O rapto no serralho (1782), O empresário (1786), até alcançar a perfeição com A flauta mágica, o obra-prima desse gênero. Estreada em 1791, esse singspiel engloba muitos outros gêneros – se a estrutura maior é de singspiel, algumas partes são ópera séria (como as árias da Rainha da Noite) e ópera buffa (as cenas com Papageno). Há o filme de Bergman, cantado em sueco; no You tube se encontra dezenas de versões completas com legendas em português. Nos dias de hoje, Diane Danrau é tida como a mais espetacular Rainha da Noite.

O FRANCO-ATIRADOR, de WEBER. Carl Maria von Weber estreou sua obra mais popular em 1821, com a firme intenção de desbancar o predomínio italiano na ópera. Esta sinspiel é tido como a primeira ópera genuinamente alemã – entendendo-se por genuína, nacionalista. A abertura é a Floresta Negra alemã em música: cheia, densa, misteriosa e repleta de demônios e fadas, conforme sonhavam os alemães nesse período de alto romantismo. A ação se desenvolve em torno de Max, jovem triste e caçador ambicioso que vende a alma ao demônio Samiel, em um ritual noturno, à meia-noite, no Desfiladeiro do lobo, Floresta Negra adentro, para obter fortuna. No You tube, Leopold Ludwig com as forças da Orquestra Filarmônica de Hamburgo apresenta uma versão tradicional encantadora, embora haja as versões modernas, onde a Floresta Negra é substituída por escritórios de alguma grande corporação…

GRAND OPÉRA. OS HUGUENOTES, de MEYERBEER. A Grand Opéra francesa foi uma verdadeira instituição oriunda dos novos formadores de opinião pós-Revolução de julho: a burguesia. Como tal, se caracteriza por espetáculos grandiosos, com muitos efeitos especias, muitos corais massivos, cenas de excomunhão públicas, balés cada vez mais inusitados – como o balé de fantasmas das freiras condenadas em Roberto, o diabo, de Meyerbeer (1791-1864), temas exóticos onde prevalecem mostras de povos distantes – é o blockbuster hollywoodiano abraçando a novelista da Globo Glória Perez. O judeu Meyerbeer é o nome maior desse estilo que hoje não tem mais lugar como tal, sua obra-prima é Os huguenotes (1836). No You tube uma das poucas gravações é a da Ópera de Sidney, com a grande diva Joan Sutherland.

RIENZI, de WAGNER. Antes de criar o drama musical, Wagner (1813-1883), aderiu a vários estilos. Em sua terceira ópera, estreada em 20 de outubro de 1842, ele adere à grand opéra francesa. A ação dá-se em Roma, no período medieval, e tem como base a revolta popular contra os nobres protagonizada pelo tribuno Cola Rienzi. É uma das poucas óperas desse estilo que ainda são montadas e amadas, porém, dado ao gosto moderno, estas produções atuais não trilham o caminho do naturalismo e do espetaculoso que caracterizam o estilo, prefere-se produções mais despojadas. No You tube a produção de Jorge Lavelli e Pinchas Steinberg, despojada e moderna, é a preferência.

OPÉRA-COMIQUE.CARMEN, de BIZET. Este gênero francês, como o singspiel alemão, alterna diálogos falados com canções, porém seus temas são quase sempre temas do cotidiano, com grande ênfase em assuntos contemporâneos. Muito diferente dos contos de fadas teutônicos que se passam em florestas encantadas, aqui a ambientação é preferencialmente a cidade. E o termo comique não significa que as obras desse estilo sejam cômicas ou com finais felizes. A presença desse termo deve-se por conta do local onde a primeira ópera que alternava canto e fala estreou: o Théâtre national de l’Opéra-Comique. Bizet (1838-1875), a estreou em 3 março de 1875. Foi um dos maiores fracassos do teatro francês. A indignação foi geral: público e imprensa se uniram contra o compositor e os próprios amigos o tentaram convencer de que a ópera era falha. As vaias perduraram em cada noite de exibição e os jornais de Paris destacavam a vulgaridade que Bizet havia transposto para o palco, uma infâmia para a moral da família tradicional. Bizet ficou gravemente enfermo e faleceu em meio ao fracasso completo e sem misericórdia de sua obra-prima em 3 junho daquele ano, de ataque cardíaco. Por uma dessas ironias em que o destino é especialista, a vanguardista Paris condenou Carmen e seu criador. Porém, em outubro do mesmo ano, a conservadora Viena aplaudiria de pé a estreia naquela cidade. Na plateia, homens da estatura de Brahms, Tchaikovsky, Wagner e Nietzsche, este último inteiramente eufórico. Hoje esta ópera é a mais amada, encenada e cantada entre todas as óperas. No You tube a produção de Franco Zeffirelli regida por Andris Nelsons para a Ópera de Viena, veja esta antes das outras.

BEL CANTO ITALIANO. NORMA, de BELLINI. O bel canto italiano se caracteriza por entregar apenas ao canto toda a ação e emoção do drama. É um retorno, de certa forma, aos exageros do barroco, mas apenas em parte.

O bel canto, em si não é uma escola específica, posto que suas características podem ser notadas em qualquer gênero da ópera. Uma ópera buffa de Rossini é bel cantista, assim como os dramas sérios de Verdi. É a tradição italiana de canto que floresceu desde o barroco, porém agora com o pathos oitocentista. Norma (1831) é o exemplo arquetípico dessa forma de cantar. E sem dúvida Maria Callas permanece sozinha entre as divas que imortalizaram este personagem, que tem muito de Medeia. No You tube há a gravação completa de Callas dessa obra de Bellini (1801-1835).

O BARBEIRO DE SEVILHA, de ROSSINI. Esta ópera buffa de Rossini (1792-1868) não agradou em sua estreia, em 20 de fevereiro de 1816. Na segunda noite, no entanto, carregaram Rossini nos braços! Desde então esta ópera, o mais célebre exemplo da buffa italiana é sucesso inquestionável. Aqui, os bufões são os homens bem vistos da sociedade, as empregadas domésticas, as forças armadas, a Igreja, os burgueses, os camponeses, o judiciário, não se poupa ninguém – todos entregues à situações vexatórias ornados de músicas das mais ricas melodias e graciosa leveza ímpar! No You tube, o filme com direção de Ponnelle e regência de Claudio Abbado, com Teresa Bergança e Hermann Prey é excelente porta de entrada.

AIDA, de VERDI. Com Aida (1871) é a culminância bel cantista de Verdi (1813-1901). Porém aqui Verdi se preocupa com algo que muitos bel-cantistas anteriores não pensavam: o drama. A arte de cantar bem aqui é desenhada pelas determinações da ação ao mesmo tempo que evoca um intimismo que se contrapõe à moral social experimentada pelos personagens centrais: Aida, Radamés e Amnéris. É uma das óperas mais amadas e encenadas de todos os tempos. No You tube abundam encenações tradicionais e modernas. Uma opção vocal atraente são as de Pavarotti ou Domingo, nas encenações para o Met de Nova Iorque ou Scalla de Milão das décadas de 80 e 90, algumas dirigidas também por Zeffirelli.

TURANDOT, de PUCCINI. Puccini (1858-1924) faleceu compassos antes de concluir sua última obra, que estreou com completação de Franco Alfano e regida por Arturo Toscanini em 25 de abril de 1926. Na estreia, Toscanini não regeu a parte completada por Alfano, no ponto em questão, virou-se para a plateia e afirmou: “Neste ponto, o mestre deixou cair a pena!” E se retirou. O final de Alfano sempre foi motivo de controvérsia. Em 2002, Luciano Berio compôs outro final, que é raramente apresentado. Não foi Wagner que pôs fim à tradição operística italiana: foi um ataque cardíaco fulminante no autor de Turandot. Sua morte é o fim do secular ciclo operístico italiano, iniciado com Monterverdi no início do século XVII. No You tube as produções de Zefirelli para o Metropolitan de Nova Iorque são dignas e merecem serem assistidas, todas com o final tradicional de Alfano. Com o final de Berio, que cobre os 20 minutos finais da ópera (à partir dafala de Calaf:Principessa di morte! Principessa di gelo!) também pode ser acessado.

DRAMA MUSICAL. TRISTÃO E ISOLDA, de WAGNER. Wagner estreou sua obra-prima em 10 de junho de 1865. Em qualquer aspecto é a obra mais avançada de Wagner. Do ponto de vista musical, abriu caminho para a música dodecafônica e do ponto de vista dramatúrgico é um drama interno, intimista e psicanalítico. Um diálogo sobre o determinismo e a vontade, o amor e a morte. As produções de Ponnelle e de Heiner Müller, ambas regidas por Daniel Barenboim para Bayreuth, são as mais recomendadas, e estão disponíveis no You tube.

PELLEÁS E MELISANDE, de DEBUSSY. É um manifesto do impressionismo musical de Debussy (1862-1918). Teve sua estreia em Paris em 27 de abril de 1902 e a recepção foi fria. Aos poucos ela se firmou. É uma peça tranquila, intimista e sem o brilho vocal tão intenso nas óperas. Sua música ecoa Tristão e Isolda e, principalmente, Parsifal, ambas de Wagner e por quem Debussy nutria sentimentos ambíguos. A produção de Peter Stein e Pierre Boulez está disponível no You tube e é a que mais se aproxima do ideário impressionista.