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A ‘pernada’ que levei d´O melhor dos Rosado

Fundador de Navegos, com muito bom humor e requintada zombaria, nos deleita narrando um encontro inesperado com “O melhor dos Rosado”, e mesmo com tudo avantajado, ainda tem espaço para a madame Isaura…

*Franklin Jorge

[email protected]

 

 

Já me perguntaram se tenho, dentre os livros que escrevi, algum que me seja especialmente querido. Alguns chegam até a pensar que seria O spleen de Natal, creio que pela calorosa acolhida que tem recebido dos leitores…

Não tenho livro predileto. Muito menos O spleen, que se escreveu à minha revelia e no qual reuni e dei voz, além de alguns artistas, pessoas humildes e de animo forte que encontraram alguma porosidade nas cruezas do dia a dia.

Perdão. Tenho, agora me lembro – ou tive, que sei eu? – que do muito que escrevi, há um livro, sim, que teria sido o meu predileto. Fantasmas cotidianos, titulo de um de meus diários íntimos ou jornal literário, como queria o mestre Ascendino Leite, que me foi dado pela grande escritora argentina, Luísa Mercedes Levinson, por muitos anos e até sua morte, quando o seu nome havia sido indicado pela Sociedade de Homens de Letras de Paris para o Prêmio Nobel de Literatura, honrou-me com a sua amizade e quase uma centena de cartas manuscritas e alguns autógrafos que dimensionam a sua afetividade.

Esse livro que reúne notas e insights que costumam ocorrer a um escritor ou artista, depois de editorialmente organizado, deixou-me uma pontinha de satisfação, não pelo livro em si, mas pelo que o seu título evoca dessa amizade com uma das escritoras mais importantes de sua geração, autora, a quatro mãos, do conto A irmã de Heloisa, com o seu então noivo Jorge Luís Borges.

Morando em Mossoró, ao voltar da Amazônia, recebi m telefonema da senadora Edith Fernandes Souto, mulher do banqueiro e armador Francisco Souto, que se dizia disposta a publicar em livro um de meus títulos.  Escolhi Fantasmas Cotidianos, cuja capa foi especialmente criada por meu colega de redação, Enéas Peixoto.

Edith marcou um café em sua casa à Praça da Matriz de Mossoró, para tratar da publicação. Lá, ao chegar, deparei-me em seu terraço com Vingt-Un Rosado, confesso que me surpreendeu encontra-lo ali, naquela, tarde mossoroense, mas logo a nossa anfitriã explicou que, como gostaria de chamar a atenção para o meus escritos, teria por isso contratado um especialista para cuidar da publicação do livro. Senti naquele momento que tudo aquilo não seria mais que um engano, considerando-se que a ridícula vaidade desse Rosado, que desejava ter o seu nome inscrito no Livro dos Recordes, como alguém que teria editado mais de 5.000 títulos; um editor que entendia tanto de editoração quanto a Macróbia Tarada**  entende de genitálias holandesas.

Ora, esse vaidoso empedernido e de miolo-mole, para atingir sua meta, chegou a furtar títulos de autores, violando seus direitos e sem dispor de autorização, como fez com um artigo que escrevi, por ele transformado em mais uma de suas abomináveis plaquetes reproduzidas em mimeógrafo. Surpreendi esse título meu incluso na Coleção Mossoroense, à venda em um sebo da cidade.

Edith entregou-lhe um cheque cujo valor não me foi informado. Após dois anos de espera, liguei para o temível editor mossoroense. Dois anos, depois de procurar saber o que atrasava a entrega de Fantasmas cotidianos e, logo em seguida, sem explicações nem desculpas,  mandava entregar-me 200 exemplares de um livro reproduzido em mimeógrafo já muito gasto e com algumas letras semiapagadas. A muito custo, passando página por página de cada um desses exemplares do Fantasmas cotidianos, separei 80 exemplares que pareceram-me legíveis. A propósito, para ter mais lucro o insigne editor eliminou a capa criada por Enéas. Tive de, à mão, criar uma capa com o título, declarar a autoria, o selo da editora etc.

Não há nessa edição caça-níquel, de afrontoso desrespeito à criação intelectual, nenhuma referencia editorial e bibliográfica de caráter obrigatório e primário em processos de editoração profissional. Não há ficha catalográfica. Nem revisor. Não há registro na Biblioteca Nacional. Não há conhecimento técnico primário nem respeito elementar ao autor e à obra.

E em Mossoró dizem-no O Melhor dos Rosado

 

NOTA: **Macróbia Tarada é um apelido, a título de mofa, dado à Isaura Rosado, por conta de uma viagem aos Países Baixos, momento em que, sorridentemente, tirou fotos com supostos homens nus bem avantajados.

 

Franklin Jorge, por Fernando Gurgel